Sinal Vermelho: “A participação dos cartórios extrajudiciais é um grande avanço na campanha”

Sinal Vermelho: “A participação dos cartórios extrajudiciais é um grande avanço na campanha”

Coordenadora da CEVID, desembargadora Ana Lúcia Lourenço, fala sobre a Campanha Sinal Vermelho em entrevista para a Anoreg/PR

Em vigor em mais de 15 estado brasileiros, a Lei do Sinal Vermelho (Lei Federal nº 14.188, de 28 de julho de 2021) permite uma parceria entre Executivo, o Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública e órgãos de segurança pública com estabelecimentos comerciais privados para o desenvolvimento do Sinal Vermelho.

Desde outubro de 2021, diversos cartórios brasileiros, representados pela Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg/BR), integram a campanha Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica que une a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em ações práticas e institucionais no combate a um crime cada vez mais constante no país.

A iniciativa busca incentivar e facilitar denúncias de qualquer tipo de abuso dentro do ambiente doméstico. Ao desenhar um “X” na mão e exibi-lo no cartório, a vítima poderá receber auxílio e acionar as autoridades.

Atualmente coordenadora da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (CEVID), durante o biênio 2023-2024, a desembargadora Ana Lúcia Lourenço é responsável pela elaboração e execução de projetos e políticas públicas no âmbito do Poder Judiciário, relativas às mulheres em situação de violência doméstica e familiar. Para a magistrada, “a participação dos cartórios extrajudiciais é um grande avanço na campanha, a qual já contava com farmácias e drogarias, bancos e shoppings”.

Natural de Curitiba (PR), a desembargador Ana Lúcia Lourenço graduou-se em Direito pela Universidade Federal do Paraná em 1984 e cursou o 4° ano da Escola da Magistratura do Paraná em 1986.

Ingressou na magistratura paranaense em 1990 como juíza substituta na comarca de Pato Branco.  Atualmente é juíza de direito substituta em 2º Grau desde março de 2007 e juíza auxiliar da 1ª Vice-Presidência desde abril de 2013, cumulando a função de designada na 6ª Câmara Cível. Eleita por merecimento ao cargo de desembargadora do Tribunal de Justiça, tomou posse no dia 23 de outubro de 2014.

Confira abaixo a entrevista na íntegra.

Anoreg/PR – O Paraná foi um dos primeiros estados brasileiros em que o Sinal Vermelho virou lei. Na sua opinião, como esse símbolo impacta na sociedade e, principalmente, na vida das mulheres que podem buscar outros lugares para fazer denúncia de violência doméstica?

Des. Ana Lúcia Lourenço - A violência doméstica é composta por um ciclo de violências geralmente cometido no âmbito familiar, por pessoas próximas e de convivência da vítima. Por tratar-se de um ambiente doméstico, que é por natureza mais particular e reservado, é difícil identificar as vítimas sem que haja uma denúncia da parte delas. Além disso, a cifra oculta da violência doméstica ainda é elevada, pois muitos crimes dessa natureza ocorrem e não são notificados.

A Campanha do Sinal Vermelho é um instrumento importante para a mudança almejada quanto a essa realidade, pois muitas vezes a vítima de violência doméstica sofre ameaça constante, sentindo-se insegura em se deslocar até a polícia ou ligar para o 180, sob o olhar muitas vezes atento do seu agressor, e o sinal representa a possibilidade de buscar outros locais, de mais fácil acesso em seu cotidiano, para realizar a denúncia da violência doméstica sofrida ou que está sofrendo no momento, sendo que o funcionário do cartório ou da farmácia estará orientado sobre o que fazer quando receber uma sinalização do X vermelho, oferecendo assim o devido amparo de forma segura e certa para a vítima.

Para além disso, a normatização dessa iniciativa é importante para ressaltar o comprometimento do Estado do Paraná em combater a violência doméstica, bem como servir positivamente de exemplo para os demais, evidenciando a importância da participação da sociedade civil como parte da rede de enfrentamento. Ademais, o Sinal Vermelho traz segurança à vítima, sendo que as informações repassadas aos funcionários serão mantidas em sigilo.

Anoreg/PR – Com o símbolo do x vermelho desenhado na mão, as mulheres agora podem buscar os cartórios extrajudiciais para denunciar violência doméstica. Como a senhora avalia essa iniciativa?

Des. Ana Lúcia Lourenço - Os casos de violência doméstica no Brasil crescem todos os dias, contribuindo para que o Brasil ocupe o 5º lugar no ranking global de assassinatos de mulheres. A campanha sinal vermelho é um importante instrumento no combate à violência doméstica e a parceria é fundamental para o sucesso e eficiência da campanha.

A participação dos cartórios extrajudiciais é um grande avanço na campanha, a qual já contava com farmácias e drogarias, bancos e shoppings. Se trata de responsabilidade social para a proteção das mulheres brasileiras, promovendo a mudança cultural a partir de atitudes igualitárias, com valores éticos e de respeito à diversidade de gênero, agregando ainda valor à marca do cartório que adere à campanha, fomentando a conscientização da sociedade no enfrentamento da violência doméstica, ou seja, é uma via de mão dupla. Além disso, a inclusão dos cartórios extrajudiciais se torna mais um ponto em que as vítimas poderão buscar auxílio, sendo viabilizada sua assistência e segurança.

Anoreg/PR – Como o TJ/PR pode auxiliar os cartórios extrajudiciais no combate e conscientização da violência doméstica?

Des. Ana Lúcia Lourenço - Esse auxílio aos cartórios extrajudiciais pode se dar de diversas formas, temos por exemplo, como dito anteriormente, a realização de capacitações voltadas a formação continuada e especializada na temática de combate à violência doméstica e familiar, além de disponibilizamos materiais no site do Tribunal, ou através dos links:

https://www.tjpr.jus.br/documents/12054912/0/Flyer+v%C3%ADtima2.pdf/7459ccee-4249-c26a-a416-706d9fc961a7

https://www.tjpr.jus.br/documents/12054912/0/Flyer+agressor+2.pdf/c54c8e07-a76f-5bfb-9a7c-c87a12bf823f

https://www.tjpr.jus.br/documents/12054912/0/FlyerCEVID_alta.pdf/91a12f83-64ff-6634-d840-89d34d98c6e6

Ainda, a CEVID se coloca à disposição para a realização de atividades e desenvolvimento de políticas públicas em parceria com os cartórios, para o enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher, bem como fornecer orientações e sanar eventuais dúvidas a respeito da temática.

Anoreg/PR – Apesar do grande número de casos, o assunto de violência contra a mulher é visto como tabu para muita gente. Como é possível quebrar esse estigma e trazer à tona uma pauta que impacta a vida de milhares de vidas?

 Des. Ana Lúcia Lourenço – A violência doméstica é um fenômeno comum em diversas culturas, atingindo mulheres de várias origens, gerações, classes sociais, etnias, níveis de escolaridade, orientação sexual e religiões. A reprodução de violência doméstica não se trata apenas de uma questão de gênero, mas também é a violação dos direitos humanos das mulheres.

Nesta senda, o estigma sofrido por diversas mulheres, vítimas de violência doméstica, é fruto da própria sociedade pautada por uma cultura patriarcal, bem como da própria família. Diversos fatores podem dificultar a decisão da mulher em denunciar quando esta é vítima de violência doméstica por parte de seu companheiro. Em primeiro lugar, cabe destacar o medo da situação econômico-financeiro, vez que, muitas mulheres dependem financeiramente de seus parceiros, em razão da responsabilidade que tomam para si dos cuidados com os filhos. Assim, acabam por não possuírem salário próprio, moradia e não estarem engajadas no mercado de trabalho. Esses fatores corroboram para o medo e a insegurança, além do desconhecimento das redes de apoio e proteção.

Ademais, é muito comum que as mulheres invertam a culpa, atribuindo para si a responsabilidade do comportamento violento de seus companheiros, seja porque entendem que não lidaram com a situação da melhor forma possível ou por acharem que instigaram seus parceiros a tomarem atitudes “drásticas”.

O desafio para o enfrentamento do estigma da violência doméstica se dá principalmente na compreensão do contexto em que aquela vítima está inserida, bem como a desconstrução da cultura machista arraigada naquela circunstância. Além disso, a aplicação da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2008) foi um importante marco para o combate da violência doméstica, a qual se mostrou favorável em diversos âmbitos da sociedade brasileira.

Ademais, a implementação de políticas públicas, principalmente de prevenção, levando em conta o contexto em que será aplicada, auxiliam no combate à violência, assim como possibilitam alcance considerável para a igualdade de gênero, encorajando mulheres a denunciar e desmistificando a visão de inferioridade e o sentimento de vergonha das vítimas.

CEVID

Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (CEVID) foi criada em 2011 para atender Resolução nº 128/2011 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Como explica a desembargadora, “a Coordenadoria é responsável pela elaboração e execução de políticas públicas no âmbito do Poder Judiciário, relativas às mulheres em situação de violência doméstica e familiar”.

Na CEVID é elaborado sugestões para aprimoramento do Judiciário no combate e prevenção a esse tipo de violência, além de oferecerem suporte aos magistrados, servidores e equipes multidisciplinares que atuam na temática, realizando capacitações voltadas à colaboração para a formação inicial, continuada e especializada de magistrados e servidores na temática. A Coordenadoria também promove a articulação interna e externa do Poder Judiciário com outros órgãos governamentais e não governamentais, através de diversas ações conjuntas, visando a concretização da Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher.

Além disso, recepcionam dados, sugestões e reclamações referentes aos serviços de atendimento à mulher em situação de violência, promovendo os devidos encaminhamentos e divulgações, bem como fornecemos dados referentes aos procedimentos que envolvam a Lei Maria da Penha ao CNJ, para que se promovam as mudanças e adaptações necessárias junto aos sistemas de controle e de informações processuais existentes.

 

Fonte: Assessoria de Comunicação – Anoreg/PR