(da série Registros sobre Registros, n. 260)
Des. Ricardo Dip
- 936. É também exigência da Lei 6.766, de 1979, para o registro especial dos parcelamentos a apresentação de certidões “dos cartórios de protestos de títulos, em nome do loteador, pelo período de 10 (dez) anos” (alínea a do inc. IV do art. 18) e “de ônus reais relativos ao imóvel” (letra c do mesmo inc. IV do art. 18).
Tal já ficou dito (cf. item 905 retro) as atividades de protesto extrajudicial de letras e títulos são próprias de um tabelionato especial de notas: João Teodoro da Silva qualifica-o como “notário especializado” (na obra coletiva, coordenada por Leonardo Brandelli, Ata notarial, 2004, p. 19-20). Esse protesto extrajudiciário comporta vários modos (cf., a propósito, Rogério Tobias, “Recepção de títulos e devolução de documentos -Credor, apresentante e núncio -Casuística”, in VV.AA., Manual do protesto de letras e títulos, coord. João Baptista de Mello e Souza Neto, 2017, p. 99 et sqq.) e consiste numa ata notarial que se especifica –assim a lei a denomina– por ser de protesto e da competência de um tabelião especial (vidē inc. IV do art. 11 da Lei brasileira 8.935, de 1994). Sem embargo, não fossem essas designação e atribuição legais, o ato de protesto não se distinguiria, no fim e ao cabo, de uma ata notarial de presença de coisa, ou seja, numa resenha ou narrativa de um fato sem interferência do tabelião de modo produtivo ou consultivo, limitando-se esse tabelião, quanto à ata de protesto, a dar o testemunho de uma inexecução obrigacional, que é, em resumo, o objeto do protesto de títulos.
Essas certidões de protesto, segundo o texto da Lei 6.766, devem referir-se ao loteador, mas é de entendimento frequente que devam também abranger os que, ao largo do decênio indicado na mesma lei, tenham sido titulares de direitos reais sobre o imóvel objeto do parcelamento. Devem, além disso, ser extraídas na comarca da situação desse imóvel e também nas comarcas em que, suposto diversas da referente à situação do prédio, tenham domicílio o loteador e outros titulares de direitos reais sobre o imóvel. Não prescreve a Lei 6.766 o prazo dessas certidões, sendo da praxis de alguns cartórios a fixação de tempo não superior a seis meses antes da apresentação (nesse sentido, p.ex., as extensíssimas normas que, para o extrajudicial, tem expedido a Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo: item 181 de seu cap. XX).
A circunstância de essas certidões indicarem a existência de protesto referente ao loteador ou a terceiro titular de direito real sobre o imóvel parcelando não é impeditivo absoluto para o registro especial do parcelamento. Lê-se, a propósito, no § 2º do art. 18 da Lei 6.766: “A existência de protestos, de ações pessoais ou de ações penais, exceto as referentes a crime contra o patrimônio e contra a administração, não impedirá o registro do loteamento se o requerente comprovar que esses protestos ou ações não poderão prejudicar os adquirentes dos lotes. Se o Oficial do Registro de Imóveis julgar insuficiente a comprovação feita, suscitará a dúvida perante o juiz competente.” (Saliente-se, a propósito, que a parte final desse dispositivo levou a controvérsia o tema de eventual suscitação propter officium da dúvida registrária; em sentido negativo parecem inclinar-se a muito recente e fundamentada obra de Josué Modesto Passos e Marcelo Benacchio, A dúvida no registro de imóveis, 2020, p. 76: “No registro de imóveis não existe ação de dúvida ex officio…”).
Dizem com razão Vicente Celeste Amadei e Vicente de Abreu Amadei que a finalidade das certidões de protesto, no tocante com o processo de registro especial de parcelamento, é “apenas informar a idoneidade do loteador e alertar os adquirentes quanto ao risco do negócio, que pode ficar embaraçado em vista da possível ocorrência de fraude contra credores” (o.c., p. 295). Daí que, sendo elas positivas, não sejam obstáculo absoluto ao registro pretendido, “salvo verificação de prejuízo concreto aos adquirentes (por exemplo: protesto de título que está servindo de base para o pedido de falência do loteador)”.
- 937. Como ficou dito, a Lei 6.766, de 1979, na alínea c do inciso IV de seu art. 18, prescreve a apresentação, para os fins do registro especial do parcelamento do solo urbano, de certidão “de ônus reais relativos ao imóvel”.
Ainda que alguma brevidade, ao tratarmos do registro da incorporação imobiliária, já examinamos o que se haja de entender por ônus reais (item 907 retro).
Não custa, entretanto, −e até parece convir − reiterar, em sumário, algum acercamento dessa noção.
Aparenta que foi com a Lei 1.237;1864 (de 24-9) que emergiu em nosso direito positivo a referência a ônus reais, assim se lia em seu art. 7º e, ainda antes, no rol taxativo que constava de seu art. 6º: “Somente se consideram ônus reais: a servidão; o uso; a habitação; a anticrese; o usufruto; o foro; o legado de prestações ou alimentos expressamente consignados no imóvel”. Sublinhe-se que a mesma Lei imperial 1.237 indicava o motivo de ser do adjetivo reais que secundava o substantivo ônus: “Os outros ônus que os proprietários impuserem aos seus prédios se haverão como pessoais, e não podem prejudicar aos credores hipotecários” (§ 1º do art. 6º).
Já no século seguinte, o parágrafo único do art. 239 do Decreto 4.857/1939 (de 9-11; o Regulamento registral de 1939) também se referiu ao termo ônus reais: “Aos terceiros prejudicados, será lícito, em juízo, fazer, não obstante, prova da extinção dos ônus reais e promover a efetivação do cancelamento”.
Conforme, no entanto, já se observou (no item 907 retro), a doutrina admitia que esse ônus real abarcava a hipoteca (cf. n. 769, in fine, do Tratado dos registos públicos de Serpa Lopes), o que não se previra no elenco exaustivo da Lei 1.237, não compreendia a hipoteca (art. 6º)..
Também nossa vigente Lei de registros públicos (Lei 6.015, de 1973) versa a extinção dos ônus reais e dos direitos reais no item 2º do inciso II de seu art. 167, menciona esses ônus reais nos arts. 253, 279 e 292, além de referi-los, sem o adjetivo reais embora, no art. 230 e no § 1º do art. 235.
Em outros dispositivos da mesma lei há referência a esses ônus, sem que embora o vocábulo se acompanhe do adjetivo: assim, “se na certidão constar ônus, o oficial fará a matrícula, e, logo em seguida ao registro, averbará a existência do ônus, sua natureza e valor, certificando o fato no título que devolver à parte, o que o correrá, também, quando o ônus estiver lançado no próprio cartório” (art. 230; vidē ainda § 1º do art. 235).
Cabe entender que o termo ônus reais compreenda, entre nós, os direitos de fruição, as garantias reais, e ainda as discutíveis situações do bem de família e da locação-ônus (cf. Afrânio de Carvalho, Registro de imóveis, 1977, p. 81-2), tal o sumariou De Plácido e Silva ao conceituar esse ônus dizendo-os encargos ou obrigações que pesam diretamente sobre a propriedade, limitando-a quanto à fruição e à disposição, ou ainda dirigindo-se a garantir “outras obrigações” (Vocabulário jurídico, verbete ônus reais).
A existência de ônus reais relativos ao imóvel urbano objeto do parcelamento não é, simpliciter, óbice ao registro especial (cf. § 2º do art. 18 da Lei 6.766), mas −bem o apontam Vicente Celeste Amadei e Vicente de Abreu Amadei (p. 294)−, exigem “a anuência do titular do direito real sobre a coisa alheia”.