(da série Registros sobre Registros, n. 243)
Des. Ricardo Dip
906. Também se exige, para o registro das incorporações imobiliárias, a apresentação de certidões relativas a demandas civis e criminais relativamente aos alienantes do terreno objeto e ao incorporador (alínea b do art. 32 da Lei 4.591, de 1964).
O objetivo dessa exigência é, em conjunto com outros dados (p.ex., a apresentação de “atestado de idoneidade financeira, fornecido por estabelecimento de crédito que opere no País há mais de cinco anos”), o de indiciar, o quanto possível, as convenientes condições dos alienantes do imóvel e do incorporador para prudentemente prognosticar o êxito do empreendimento edilício (cf. Melhim Chalhub, o.c., 62).
Prescreve a lei que se apresentem certidões relativas a “ações cíveis e criminais”, o que se instrumenta, de logo, por certificações dos distribuidores judiciários, mediante os quais as causas são repartidas, por sorteio (ressalvadas as hipóteses de prevenção), aos órgãos julgadores. Não distingue a norma de regência provenham essas certidões das justiças dos estados ou da federal, sequer se afastando, pois, deva exibir-se certidão proveniente da Justiça do trabalho (pendendo sobre o tema controvérsia a que se refere Flauzilino Araújo dos Santos, o.c., p. 221, nota 40; vidē também Mario Pazutti Mezzari, o.c., p. 196).
Devem essas certidões retratar o que conste na comarca da situação do imóvel e nas em que sejam domiciliados os alienantes e o incorporador. Sempre haverá alguma incerteza quanto às condições a induzir desses certificados, porque deve atender-se à circunstância de que ações referentes a imóvel podem atrair-se por foro de eleição (cf. § 1º do art. 47 do Código brasileiro de processo civil: “O autor pode optar pelo foro de domicílio do réu ou pelo foro de eleição se o litígio não recair sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, divisão e demarcação de terras e de nunciação de obra nova”) e, ainda mais, demandas contra pessoa jurídica podem, em dadas hipóteses, propor-se no foro onde se ache uma sua agência ou sucursal (alínea b do inc. III do art. 53 do mesmo Código de processo civil) e pretensões de reparação de dano (o que inclui a de compensação de lesões morais) podem ajuizar-se no lugar do ato ou fato –que, por evidente, não é sempre o do domicílio do demandado (cf. letra a do inc. IV do referido art. 53 do Código de processo civil).
Caberá observar-se, com apoio no que dispõe o art. 54 da Lei 13.097/2015 (de 19-1), que os negócios referíveis à constituição, transferência ou modificação de direitos reais sobre imóveis serão de toda a sorte eficazes quanto a atos jurídicos precedentes, se na matrícula do imóvel não se indicarem (i) a citação em ações reipersecutórias; (ii) a constrição judicial e o ajuizamento de execução ou de fase de cumprimento de sentença; (iii) a restrição administrativa ou convencional à fruição de direitos levados a registro, a indisponibilidade ou outros ônus previstos em lei; (iv) a existência de demanda suscetível de reduzir o proprietário registral à insolvência. Diz a mesma lei, no parágrafo único desse mesmo art. 54: “Não poderão ser opostas situações jurídicas não constantes da matrícula no Registro de Imóveis, inclusive para fins de evicção, ao terceiro de boa-fé que adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel, ressalvados o disposto nos arts. 129 e 130 da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, e as hipóteses de aquisição e extinção da propriedade que independam de registro de título de imóvel” (as ressalvas concernem à falência e às aquisições imobiliárias não dependentes do registro: v.g., usucapião, transmissão causa mortis). Mas, se bem essa norma reduza os detrimentos que possam padecer os adquirentes, ela diz respeito à confiança que esses terceiros possam merecer da legitimidade tabular, sem estender-se à afirmação diagnóstica ou de prognose de condições econômico-financeiras propícias ao empreendimento. Por isso, concluem bem Vitor Kümpel e Carla Ferrari em que, a despeito da previsão do art. 54 da Lei 13.097 (que, para alguns, teria instituído um princípio a mais para o direito registral, o de uma dada concentração), “permanecem indispensáveis os documentos do art. 32 da Lei nº 4.591/1964, ante as ressalvas consagradas no parágrafo único do art. 54 e da necessidade de análise de outras questões jurídicas que interferem no juízo qualificador da incorporação” (o.c., p. 2.439). Averbe-se, em acréscimo, terem os possíveis adquirentes interesse em avaliar o conjunto de informações relativas aos alienantes do imóvel e ao incorporador, para formarem juízo acerca da segurança do negócio aquisitivo das unidades autônomas.
Não se pode contornar, além disso, alguma sorte de consideração acerca da correntia dispensa de apresentação de certidões dos tribunais, incluídos os posteriores (STF, STJ), sobretudo quanto a possíveis ações rescisórias, ou ainda sobre a dispensação de certidões expedidas no âmbito da jurisdição eleitoral. Calha, efetivamente, que não se pode excluir o reflexo de eventuais decisões de demandas rescisórias ou eleitorais sobre as condições econômicas e financeiras dos partícipes da alienação do imóvel ou da incorporação. O problema que se avista na adoção de um maior rigor de exigência expansiva do número de certidões judiciárias é o do maior dispêndio imediato de esforços, de tempo e de custos, o que se refletirá em aumento consequente no preço das unidades edilícias, de onde seu caráter contra-econômico, circunstância que certamente contribuiu a que a prática registral não tenha acolhido essa compreensão mais rigorosa quanto ao sentido da norma relativa às certidões que devam apresentar-se ao registro imobiliário para a inscrição das incorporações.
Elencou Flauzilino Araújo dos Santos (o.c., p. 221).algumas tantas observações acerca desses certificados judiciais, indicando, entre outras, que, (i) sendo relativos a incorporadores pessoas físicas, devam complementar-se com as de seus cônjuges, salvo quando o regime patrimonial do casamento seja o da separação de bens; (ii) as certidões criminais, tratando-se de pessoas jurídicas os alienantes ou incorporadores, devem concernir a seus representantes legais; (iii) devam abarcar o período de dez anos, incluindo-se o em que tenha havido precedente denominação diversa das pessoas (este prazo é objeto de regra judicial-administrativa que, abstraído o tema da competência para isto, expediu, p.ex., a Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo).
Noticiando-se nas certidões dos distribuidores a existência de demandas contra os alienantes do prédio ou os incorporadores, é de prudência que o registrador exija certidão complementar –dita comumente “de objeto e pé”– para aferir-lhe o desate e a situação processual coeva (se o processo está em tramitação ainda; se foi julgado em alguma instância, mas pende de recurso; se a decisão correspondente já transitou em julgado). Por evidente, não é qualquer indicação de demanda contra os alienantes e incorporadores que exigirá essa diligência complementar, certo que ações haverá sem relação alguma com o imóvel do empreendimento ou ainda sem aparente reflexo econômico-financeiro idôneo a prejudicar a incorporação (p.ex., uma demanda de cobrança de multa de trânsito de pequeno valor). Nunca é demais insistir em que o escopo da apresentação dessas certidões não é o de embaraçar os empreendimentos, mas o de permitir que os futuros possíveis adquirentes das unidades autônomas afiram o menor ou maior risco –que sempre em algum grau o haverá, é de admitir– da aquisição. De maneira que o registrador, de um lado, deve zelar para que os documentos apresentados possam alicerçar a formação de um juízo discreto pelos adquirentes, sem que, de outro lado, o mesmo registrador pretenda, pela sua, substituir de todo a deliberação prudencial dos adquirentes, com que mais mal faria, obstaculizando as incorporações, do que o bem a que visaria com meios inadequados.