(da série Registros sobre Registros, n. 250)
Des. Ricardo Dip
915. Prevê-se na alínea i do art. 32 da Lei 4.591, de 1964, para o registro da incorporação imobiliária, a “discriminação das frações ideais de terreno com as unidades autônomas que a elas corresponderão”.
A consideração expansiva do conceito e da prática mesma do domínio imobiliário abarcou não apenas o solo, mas também o subsolo e o espaço aéreo correspondente ao solo. Projetando para o alto as edificações, empilhadas umas sobre outras, as cidades –bem o observou Caio Mário da Silva Pereira (in Propriedade horizontal, p. 35)– cresceram em sentido vertical e, por paradoxo, a essa forma de domínio se deu o nome de propriedade horizontal. Ainda entre nós, ao tempo das Ordenações filipinas já se versara acerca dessa propriedade, ali se prevendo que “se uma casa for de dois senhores, de maneira que de um deles seja o sótão, e de outro o sobrado, não poderá aquele, cujo for o sobrado, fazer janela sobre o portal daquele, cujo for o sótão, ou loja, nem outro edifício algum” (§ 34 do título LVIII do livro I).
Tema de todo relevante nessa propriedade por planos horizontais –ou, mais concisamente, propriedade horizontal– é o que se tem alguma vez designado por acessão invertida, que consiste no preponderante reconhecimento da maior importância econômica e social relativa da edificação em face do terreno sobre o qual ela se ergue. Daí o nome acessão invertida, porque prevalece no plano econômico e no da vida social o mais vistoso relevo da unidade edificada e não da fração ideal de terreno a que ela se refira.
Calha até mesmo que a técnica registral se molde a essa alteração de ordem na acessão, tanto que se abrem matrículas para as unidades edilícias, de tal sorte que se rompe, de maneira permanente, com o princípio da unitariedade matricial.
Desde logo, pois, com a solicitação de registro da incorporação imobiliária, ocupa-se a lei de discriminar as frações ideais de terreno que correspondam às unidades edilícias a construir ou já em construção, para que, além da caracterização mesma da compropriedade horizontal, tenham os eventuais adquirentes das unidades a exata notícia de seus direitos de condôminos. Trata-se, portanto, de satisfazer dois supostos, o da constituição do condomínio segundo o regime especial da Lei 4.591, de 1964, e o da configuração dos direitos (e também das obrigações) dos comproprietários (cf. a doutrina cônsona de Melhim Chalub, o.c., p. 67; Caio Mário da Silva Pereira, Condomínio e incorporações, p. 265; Flauzilino Araújo dos Santos, o.c., p. 236).
Fração ideal ou parte ideal de um imóvel é a que resulta de uma divisão não menos ideal desse imóvel que, como um todo, não se considere real (o materialmente) dividido. A lei exige, para o registro da incorporação, que se distribuam proporcionalmente as unidades autônomas –que se constituem como propriedades autônomas (cf. art. 1º da Lei 4.591)– em relação ao terreno sobre o qual se edificarão, de maneira tal que, com a adição dessas frações, remate-se na soma do todo do terreno.
Bem observou Ademar Fioranelli que a discriminação das frações deve atender ao imóvel tabular (ou registral), vale dizer, às medidas que constam do registro, para satisfação dos princípios da consecutividade (ou continuidade) –ou seja, não se pode alienar mais do que seja secundum tabulas (o que corresponde à referência de Fioranelli à disponibilidade –o.c., p. 575-576)– e, acrescentemos, ao da especialidade objetiva, porque não se poderá alterar, sem mais, de modo unilateral e sem processo regular, a quantidade do terreno.
Daí a oportuna lição de Ademar Fioranelli, depois abonado por Flauzilino Araújo dos Santos, Vitor Kümpel e Carloa Modina, de que, havendo conveniência em definir nova descrição para o terreno, deva o solicitante do registro da incorporação proceder, previamente, à retificação do registro do imóvel, seja em via registrária, seja por meio judicial (cf. art. 213 da Lei 6.015, de 31-12-1973).
Duas derradeiras observações: (i) a de que a indicação das versadas frações ideais podem ser feitas mediante referência à medida de metros quadrados, salvo quando não haja, no registro anterior do imóvel, a indicação de sua área, hipótese em que as frações hão de indicar-se sob o modo de expressão decimal ou percentual (§ 2º do art. 1º da Lei 4.591. cf. Fioranelli, p. 577); (ii) a de que a cada unidade autônoma deva assinalar-se uma designação especial numérica ou alfabética, para fins de sua identificação e discriminação (§ 1º do art. 1º da mesma Lei 4.591).
916. Lê-se na letra j do art. 32 da Lei 4.591 que se haja de apresentar, para o registro da incorporação imobiliária, “minuta da futura Convenção de condomínio que regerá a edificação ou o conjunto de edificações”, minuta essa que, em duas vias, deverá assinar-se pelo incorporador, reconhecendo-se sua firma por ato notarial (Flauzilino Araújo dos Santos, p. 237; Melhim Chalhub, p. 68).
Saliente-se que se trata apenas de uma simples minuta de futura convenção –estes são os termos da lei–, ou seja, de um mero projeto de convenção condominial, de modo que suscetível de modificações posteriores, como deriva de previsão expressa do art. 9º da Lei 4.591: “Os proprietários, promitentes compradores, cessionários ou promitentes cessionários dos direitos pertinentes à aquisição de unidades autônomas, em edificações a serem construídas, em construção ou já construídas, elaborarão, por escrito, a Convenção de condomínio, e deverão, também, por contrato ou por deliberação em assembleia, aprovar o Regimento Interno da edificação ou conjunto de edificações”.
Bem se vê que, dada sua manifesta provisoriedade, a minuta de convenção apresentada pelo incorporador não é levada a inscrição no registro auxiliar (livro 3) do ofício imobiliário (Ademar Fioranelli, p. 577), permanecendo apenas nos autos do pleito de registro da incorporação.
Ainda que este caráter provisório do projeto de convenção pareça pouco útil, à vista da possibilidade de sua alteração, o fato é que, prevendo-lhe de modo cogente a apresentação, parecerá –assim o entendem, p.ex., Melhim Chalhub, p. 68-69, e Vitor Kümpel e Carla Modina, p. 2.455– exija a normativa que se observem, já quanto a essa minuta (e não apenas quanto à convenção adotada pelos condôminos), o quanto inscrito nos arts. 1.332 e 1.334 do Código civil, de sorte que dela constem (i) a discriminação e individualização das unidades de propriedade exclusiva, estremadas uma das outras e das partes comuns; (ii) a determinação da fração ideal atribuída a cada unidade, relativamente ao terreno e partes comuns; (iii) o fim a que as unidades se destinam (averbe-se que essas indicações devem mencionar-se na convenção por força do que dispõe a parte inicial do art. 1.334 do mesmo Código; Ademar Fioranelli, p. 578 acrescenta, a propósito, neste passo, a previsão do art. 7º da Lei 4.591); (iv) a quota proporcional e o modo de pagamento das contribuições dos condôminos para atender às despesas ordinárias e extraordinárias do condomínio; (v) sua forma de administração incluindo-se o modo de escolher o síndico e o Conselho Consultivo; as atribuições do síndico, além das legais; a definição da natureza gratuita ou remunerada de suas funções –§3º do art. 9º da Lei 4.591); (vi) a competência das assembleias, forma de sua convocação e quorum exigido para as deliberações; (vii) as sanções a que estão sujeitos os condôminos, ou possuidores; (viii) o regimento interno; (ix) o modo de usar as coisas e serviços comuns; (x) a forma de contribuição para constituição de fundo de reserva (vidē o mesmo § 3º do art. 9º).