Registros da legitimação de posse e de sua conversão em propriedade (sexta parte)

(da série Registros sobre Registros, n. 373)

                                                      Des. Ricardo Dip

 

 1.138.  Para encerrarmos o capítulo referente aos registros da legitimação de posse e de sua conversão em domínio, tratemos agora, muito concisamente, do que diz respeito, a propósito, à regularização urbana.

Foi a Lei 11.977/2009 (de 7-7) que trouxe de volta ao cenário jurídico brasileiro a legitimação de posse imobiliária urbana, antes admitida na Lei imperial 601, de 1850. Depois de definir, no art. 47 da Lei 11.977, as categorias de demarcação urbanísticaprocedimento administrativo pelo qual o poder público, no âmbito da regularização fundiária de interesse social, demarca imóvel de domínio público ou privado, definindo seus limites, área, localização e confrontantes, com a finalidade de identificar seus ocupantes e qualificar a natureza e o tempo das respectivas posses») e de legitimação de posseato do poder público destinado a conferir título de reconhecimento de posse de imóvel objeto de demarcação urbanística, com a identificação do ocupante e do tempo e natureza da posse»), a Lei 11.977 previu que a legitimação de posse, tanto que levada a registro, «constitui direito em favor do detentor da posse direta para fins de moradia» (art. 59), admitindo-se ainda (art. 60), que «o detentor do título de legitimação de posse, após 5 (cinco) anos de seu registro, poderá requerer ao oficial de registro de imóveis a conversão desse título em registro de propriedade, tendo em vista sua aquisição por usucapião, nos termos do art. 183 da Constituição Federal».

1.139.  O capítulo III da referida Lei 11.977 −relativo à regularização fundiária de assentamentos urbanos− foi, entretanto, integralmente revogado, e de modo expresso, pela Medida provisória 759 (de 22-12-2016), diploma este que se converteu, enfim, na Lei 13.465/2017 (de 11-7; veja-se, a propósito, o inc. IV de seu art. 109).

A legitimação de posse −de par com outros institutos (entre eles, o de legitimação fundiária)− é instituto que se alista expressamente para realizar-se a regularização urbana (art. 15 da Lei 13.465).

Após indicar, em seu art. 9º, o campo de abrangência da regularização fundiária urbana (Reurb), a Lei 13.465 enuncia, entre outras, quatro noções relevantes para sua aplicação (art. 11):

  • demarcação urbanística: «procedimento destinado a identificar os imóveis públicos e privados abrangidos pelo núcleo urbano informal e a obter a anuência dos respectivos titulares de direitos inscritos na matrícula dos imóveis ocupados, culminando com averbação na matrícula destes imóveis da viabilidade da regularização fundiária, a ser promovida a critério do Município»;

 

  • certidão de regularização fundiária- CRF: «documento expedido pelo Município ao final do procedimento da Reurb, constituído do projeto de regularização fundiária aprovado, do termo de compromisso relativo a sua execução e, no caso da legitimação fundiária e da legitimação de posse, da listagem dos ocupantes do núcleo urbano informal regularizado, da devida qualificação destes e dos direitos reais que lhes foram conferidos»;

 

  • legitimação de posse: «ato do poder público destinado a conferir título, por meio do qual fica reconhecida a posse de imóvel objeto da Reurb, conversível em aquisição de direito real de propriedade na forma desta Lei, com a identificação de seus ocupantes, do tempo da ocupação e da natureza da posse»; adiante, a mesma Lei 13.465, em seu art. 25, torna ao conceito de legitimação de posse, em não explicável bis in idem;

 

  • legitimação fundiária: «mecanismo de reconhecimento da aquisição originária do direito real de propriedade sobre unidade imobiliária objeto da Reurb».

Salientada a circunstância de que a legitimação fundiária, nos termos da Lei 13.465, «somente poderá ser aplicada para os núcleos urbanos informais comprovadamente existentes (…) até 22 de dezembro de 2016», são seus requisitos indicados no art. 23 da mesma Lei, a saber: (i) que «o beneficiário não seja concessionário, foreiro ou proprietário exclusivo de imóvel urbano ou rural»; (ii) «não tenha sido contemplado com legitimação de posse ou fundiária de imóvel urbano com a mesma finalidade, ainda que situado em núcleo urbano distinto»; e (iii)  «em caso de imóvel urbano com finalidade não residencial, seja reconhecido pelo poder público o interesse público de sua ocupação».

A redação da Lei 13.465 não parece das mais felizes. Seu art. 25 (caput) afirma que a legitimação de posse é um «ato do poder público destinado a conferir título, por meio do qual fica reconhecida a posse de imóvel objeto da Reurb», e, no § 1º desse mesmo art. 25, prevê que a «legitimação de posse poderá ser transferida por causa mortis ou por ato inter vivos». Claro está que não se trata já do «ato do poder público», mas do título que dele resulta; esse título é o que pode transferir-se.

Após assinar que a «legitimação de posse não se aplica aos imóveis urbanos situados em área de titularidade do poder público» (§ 2º do art. 25), prossegue a Lei 13.465, prevendo que o favorecido pelo

título de legitimação de posse, tanto que transcorrido «o prazo de cinco anos de seu registro, terá a conversão automática dele em título de propriedade, desde que atendidos os termos e as condições do art. 183 da Constituição Federal, independentemente de prévia provocação ou prática de ato registral» (caput do art. 26). E acrescenta: «Nos casos não contemplados pelo art. 183 da Constituição Federal, o título de legitimação de posse poderá ser convertido em título de propriedade, desde que satisfeitos os requisitos de usucapião estabelecidos na legislação em vigor, a requerimento do interessado, perante o registro de imóveis competente» (§ 1º do mesmo art. 26).

Releva observar que a Lei 13.465 atribuiu à propriedade resultante da conversão da posse legitimada o caráter de «forma originária de aquisição de direito real, de modo que a unidade imobiliária com destinação urbana regularizada restará livre e desembaraçada de quaisquer ônus, direitos reais, gravames ou inscrições, eventualmente existentes em sua matrícula de origem, exceto quando disserem respeito ao próprio beneficiário» (§ 2º do art. 26).

Na sequência, o art. 27 da Lei 13.465 versa o cancelamento do título de legitimação de posse, quando suas condições já não sejam satisfeitas.

O título −em acepção formal− da legitimação de posse urbana é algum dos modos de titulação de caráter administrativo, pois não se prevê de maneira específica. Basta a esse título que identifiquem os ocupantes do imóvel, o tempo da possessão e a natureza da posse (art. 25 da Lei 13.465).