Registro imobiliário do patrimônio rural em afetação (concludetur)

         (da série Registros sobre Registros, n. 379)

                                                      Des. Ricardo Dip

1.146.  Não faltando ao direito registral imobiliário −em verdade, a todo o campo do direito registral em seu gênero− uma parte que bem se designa material ou substantiva, outra há e que, a meu ver, tem prevalência nesse segmento jurídico, que é sua parte processual ou adjetiva. Um fator dessa prevalência parece resultar de sua maior autonomia em contraste com o condomínio em que parece habitar sua parte material, comungando com, sobretudo, o direito civil e o direito comercial.

         Vamos aqui tratar do processo especial do registro do patrimônio rural em afetação, tal como esse processo vem disciplinado na Lei 13.986, de 7 de abril de 2020, em seus arts. 11 a 13.

         Como é ordinário nos processos registrais, também o relativo à afetação de patrimônio rural exige a rogação do interessado. Ou seja, o registrador não atua ex officio. Lê-se no art. 11 da Lei 13.986: «O oficial de registro de imóveis protocolará e autuará a solicitação de registro do patrimônio rural em afetação e os documentos a ela vinculados, na forma estabelecida nesta Lei» −e, antes, no art. 9º da mesma lei: «O patrimônio rural em afetação é constituído por requerimento do proprietário, por meio de registro na matrícula do imóvel». Não parece que essa regra do art. 9º, reportando-se a «requerimento do proprietário», excepcione a previsão mais ampla do inciso II do art. 13 da Lei 6.015: «Salvo as anotações e as averbações obrigatórias, os atos do registro serão praticados: (…) II - a requerimento verbal ou escrito dos interessados». É dizer, provado o consentimento do proprietário do imóvel, nada impede que terceiro apresente o título para o registro da afetação.

         Com a apresentação do título principal −que há de ser um documento textualizado− deve ele protocolizar-se (ou seja, inscrito no livro 1 do registro de imóveis) e autuar-se com os títulos acessórios (vale dizer, devem formar-se autos de processo), nos termos do que dispõe o já indicado art. 11 da Lei 13.986.

         O art. 12 da mesma lei indica o que deve acompanhar o requerimento do registro pretendido:

•        documento relativo à «inscrição do imóvel no Cadastro Nacional de Imóveis Rurais (CNIR), do domínio do requerente e da inexistência de ônus de qualquer espécie sobre o patrimônio do requerente e o imóvel rural»;

•        documento de «inscrição do imóvel no Cadastro Ambiental Rural (CAR), nos termos da Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012»;

•        prova da «regularidade fiscal, trabalhista e previdenciária do requerente»; ou seja: «as certidões negativas de débitos fiscais perante as Fazendas Públicas, bem como de distribuição forense e de protestos do proprietário do imóvel, tanto no local de seu domicílio quanto no local do imóvel»;

•        certidão, «perante o Sigef/Incra [Sistema de Gestão Fundiária do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária], do georreferenciamento do imóvel em que está sendo constituído o patrimônio rural em afetação»;

•        «prova de atos que modifiquem ou limitem a propriedade do imóvel»;

•        «memorial de que constem os nomes dos ocupantes e confrontantes com a indicação das respectivas residências»;

•        «planta do imóvel, obtida a partir de memorial descritivo assinado por profissional habilitado e com a Anotação de Responsabilidade Técnica, que deverá conter as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional adotada pelo Incra para a certificação do imóvel perante o Sigef/Incra»;

•        «as coordenadas dos vértices definidores dos limites do patrimônio afetado, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional adotada pelo Incra para certificação do imóvel perante o Sigef/Incra».

         Deve o registrador imobiliário atender, na qualificação do título, ao constante no § 2º do art. 12 da Lei 13.986, para que, tratando-se de constituição de patrimônio rural afetado relativo a parte do imóvel rural, a fração não afetada satisfaça «todas as obrigações ambientais previstas em lei», incluídas as referentes à área afetada.  

         Se o oficial do registro de imóveis julgar que o caso comporta providência saneadora −ou seja, se o registrador prolatar juízo de qualificação dilatória−, deve ensejar o prazo de 30 dias para o saneamento, nos termos do que se lê no caput do art. 13 da Lei 13.986: «O oficial de registro de imóveis, caso considere a solicitação de constituição de patrimônio rural em afetação de imóvel rural ou a instrução de que trata o art. 12 em desacordo com o disposto nesta Lei, concederá o prazo de 30 (trinta) dias, contado da data da decisão, para que o interessado faça as correções necessárias, sob pena de indeferimento da solicitação».

         Prevê a lei possa o interessado no registro pleitear a reconsideração do decidido pelo oficial de imóveis par. único do art. 13), e, agora à luz do art. 198 da Lei 6.015/1973 −que tem caráter de normativa geral dos registros públicos−, mantida a decisão originária, poderá o solicitante valer-se do processo de dúvida.

         Convém ainda uma referência ao que dispõe o art. 15 da Lei 13.986, agora não mais versando o processo de inscrição do patrimônio rural afetado, mas do cancelamento de anterior seu registro, prevendo-se que o ato −qual o de averbação− deva instruir-se com «requerimento do proprietário, que deverá comprovar a não existência de CIR e de CPR sobre o patrimônio a ser desafetado» (§ 1º), prova que deverá produzir-se «por meio de certidão emitida por entidade mencionada no art. 19 desta Lei, no caso de CIR, ou por meio de certidão emitida pelo cartório de registro de imóveis competente, no caso de CPR» (§2º). A entidade indicada no aludido art. 19 é o Banco Central do Brasil.

         Tratando-se, como se trata, de um direito real (§ 2º do art. 7º da Lei 13.986), o cancelamento de seu registro −o do patrimônio rural afetado− exige, com efeito, o averbamento, nos termos do que dispõe o item 2º do inciso II do art. 167 da Lei 6.015.

         Ainda uma vez parece que a referência a «requerimento do proprietário» não seja impeditiva de que algum terceiro possa, com os documentos cabíveis, pleitear a averbação do cancelamento do registro do patrimônio rural em afetação.