(da série Registros sobre Registros, n. 375)
Des. Ricardo Dip
1.142. Lê-se no art. 11 da Lei 14.382, de 27 de junho de 2022, alterar-se a Lei 6.015, de 1973, para indicar a previsão do registro em sentido estrito do contrato de pagamento por serviços ambientais, quando este estipular obrigações de natureza propter rem (item 45 do inciso I do art. 167 de nossa referida Lei de registros públicos).
Todavia, essa previsão já constava da Lei 6.015 antes da vigência da mencionada Lei 14.382, por força do que dispõe o art. 25 da Lei 14.119, de 13 de janeiro de 2021.
A Lei 14.119 instituiu a política nacional de pagamento por serviços ambientais, assim definindo esse pagamento, no inciso IV de seu art. 2º: «transação de natureza voluntária, mediante a qual um pagador de serviços ambientais transfere a um provedor desses serviços recursos financeiros ou outra forma de remuneração, nas condições acertadas, respeitadas as disposições legais e regulamentares pertinentes».
Entende-se por serviços ambientais, nos termos da Lei 14.119, as «atividades individuais ou coletivas que favorecem a manutenção, a recuperação ou a melhoria dos serviços ecossistêmicos» (inc. III do art. 2º), e, por serviços ecossistêmicos, os «benefícios relevantes para a sociedade gerados pelos ecossistemas, em termos de manutenção, recuperação ou melhoria das condições ambientais» (inc. II do art. 2º). A mesma Lei 14.119 chega a definir o ecossistema: «complexo dinâmico de comunidades vegetais, animais e de microrganismos e o seu meio inorgânico que interagem como uma unidade funcional» (inc. I do art. 2º).
Pagamento de serviços ambientais −objeto do contrato suscetível de registro no ofício de imóveis− é, segundo a Lei 14.119, a «transação de natureza voluntária, mediante a qual um pagador de serviços ambientais transfere a um provedor desses serviços recursos financeiros ou outra forma de remuneração, nas condições acertadas, respeitadas as disposições legais e regulamentares pertinentes» (inc. IV do art. 2º). Esse pagamento, que possui várias modalidades (art. 3º), pode ser monetário ou não monetário (inc. I do art. 3º).
Pagador de serviços ambientais, é a mesma Lei 14.119 que o conceitua, é «o poder público, organização da sociedade civil ou agente privado, pessoa física ou jurídica, de âmbito nacional ou internacional, que provê o pagamento dos serviços ambientais» (inc. V do art. 2º), e provedor desses mesmos serviços é a «pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, ou grupo familiar ou comunitário que, preenchidos os critérios de elegibilidade, mantém, recupera ou melhora as condições ambientais dos ecossistemas» (inc. VI do art. 2º).
Diz ainda a Lei 14.119, ser o pagamento por serviços ambientais um «instrumento de promoção do desenvolvimento social, ambiental, econômico e cultural das populações em área rural e urbana e dos produtores rurais, em especial das comunidades tradicionais, dos povos indígenas e dos agricultores familiares» (art. 5º), no plexo da instituída Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (art. 4º).
O contrato de pagamento por serviços ambientais, além de seu enquadramento no Programa Federal de Pagamento por Serviços Ambientais (art. 6º da Lei 14.119), exige, quando se trate de imóveis particulares, inscrição no Cadastro Ambiental Rural (inc. II do § 4º do art. 6º; essa disposição não se aplica, entretanto, às terras indígenas, aos territórios quilombolas e, nos termos da mesma Lei 14.119, a «outras áreas legitimamente ocupadas por populações tradicionais» -inc. IV do art. 8º).
Em resumo, o contrato de pagamento por serviços ambientais corresponde a dado modo de pagamento pactuado entre pagadores e provedores desses serviços (cf. § 2º do art. 3º da Lei 14.119). Lê-se na mesma Lei 14.119:
«Art. 12. O regulamento definirá as cláusulas essenciais para cada tipo de contrato de pagamento por serviços ambientais, consideradas obrigatórias aquelas relativas:
I - aos direitos e às obrigações do provedor, incluídas as ações de manutenção, de recuperação e de melhoria ambiental do ecossistema por ele assumidas e os critérios e os indicadores da qualidade dos serviços ambientais prestados;
II - aos direitos e às obrigações do pagador, incluídos as formas, as condições e os prazos de realização da fiscalização e do monitoramento;
III - às condições de acesso, pelo poder público, à área objeto do contrato e aos dados relativos às ações de manutenção, de recuperação e de melhoria ambiental assumidas pelo provedor, em condições previamente pactuadas e respeitados os limites do sigilo legal ou constitucionalmente previsto.
Parágrafo único. No caso de propriedades rurais, o contrato pode ser vinculado ao imóvel por meio da instituição de servidão ambiental.
Art. 13. O contrato de pagamento por serviços ambientais deve ser registrado no Cadastro Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais.
Art. 14. Os contratos de pagamento por serviços ambientais que envolvam recursos públicos ou que sejam objeto dos incentivos tributários previstos no art. 17 desta Lei estarão sujeitos à fiscalização pelos órgãos competentes do poder público.
Parágrafo único. Os serviços ambientais prestados podem ser submetidos à validação ou à certificação por entidade técnico-científica independente, na forma do regulamento.»
Os contratos de serviços ambientais podem ter por objetos algumas obrigações a que a Lei 14.119 atribuiu caráter propter rem, como se vê em seu art. 22: «As obrigações constantes de contratos de pagamento por serviços ambientais, quando se referirem à conservação ou restauração da vegetação nativa em imóveis particulares, ou mesmo à adoção ou manutenção de determinadas práticas agrícolas, agroflorestais ou agrossilvopastoris, têm natureza propter rem e devem ser cumpridas pelo adquirente do imóvel nas condições estabelecidas contratualmente».
São esses contratos −ou seja, os que dizem respeito
- à conservação da vegetação nativa em imóveis particulares,
- à restauração dessa vegetação nativa nos prédios de domínio privado, e
- à adoção ou manutenção de «determinadas práticas agrícolas, agroflorestais ou agrossilvopastoris»,
os que, tendo, secundum legem, natureza propter rem, devem ser registrados no ofício imobiliário competente.
Assim, caberá ao oficial do registro de imóveis verificar se o contrato que lhe for exibido, referente a pagamento por serviços ambientais, diz respeito a uma ou mais dessas hipóteses acima alistadas.
A propósito, dizem-se práticas agrícolas as, com seus vários tipos, de cultura dos solos para a produção de alimentos propícios ao consumo dos homens ou ainda para serem utilizados em processos industriais. Por práticas agroflorestais entendem-se modos de uso e de ocupação dos solos, com que se plantam árvores em conjunção com culturas agrícolas ou forrageiras (i.e., de forragem, de plantas herbáceas para a alimentação de animais), e, por práticas agrossilovopastoris, a conjugação, com alguma permanência, de animais e culturas agrícolas em um mesmo imóvel.