Registro do ato de tombamento definitivo, sem conteúdo financeiro (primeira parte)

(da série Registros sobre Registros, n. 376) 

                                                                 Des. Ricardo Dip

1.143.   A Lei 14.382, de 27 de junho de 2022, lei essa que dispôs sobre o Sistema eletrônico dos registros públicos (Serp), acrescentou, quanto ao ofício imobiliário, um item (n. 46) à lista dos títulos objeto de registro stricto sensu do inciso I do art. 167 da Lei 6.015, de 1973, incluindo-se o «ato de tombamento definitivo, sem conteúdo financeiro». Também ali se previram as averbações imobiliárias do «processo de tombamento de bens imóveis e de seu eventual cancelamento, sem conteúdo financeiro» (item 36 do inc. II do art. 167 da Lei 6.015).

A admissão do acesso do tombamento ao registro de imóveis parecia ser, efetivamente, algo intuitivo, para o benefício da dinâmica jurídica.

Na terminologia jurídica, «tombamento», ato ou efeito de tombar, é o mesmo que «tombo», vale dizer, o «inventário ou registo de bens imóveis, com suas confrontações, rendas, direitos, encargos, etc.» (Rodrigo Fontinha, Novo dicionário etimológico da língua portuguesa, ed. Domingos Barreira, Porto, s.d., p. 1.759).

De Plácido e Silva, no Vocabulário jurídico (vol. IV), reportando-se a Cândido de Figueiredo, diz que a palavra deriva do latim tumulus, tumuli (ou ainda tumulus, tumulus; variação apontada por Torrinha), que tem diferentes acepções à origem, segundo o mesmo Torrinha, no Dicionário Latino-Português: altura, terrenos elevados, «montículo de terra com que se cobre um cadáver», cenotáfio. Há quem indique provenha «tombo» do grego tómos que significa «parte», «seção», «volume».

De Plácido bem distinguiu: tombar não é demarcar, mas catalogar, inscrever imóveis com suas descrições −ou seja, registrá-los já com suas demarcações.

Pode fazer-se aqui outra distinção: o termo «tombamento», embora possa usar-se no sentido de registro no ofício de imóveis, é mais especializado com a acepção de «cadastramento administrativo»; é ainda indicação de De Plácido: o tombamento corresponde ao «cadastro predial da atualidade».

De onde vem que se fale em «tombo» para essa referência cadastral? Disse Hely Lopes Meirelles: «As expressões Livros do Tombo e tombamento provêm do Direito Português, onde a palavra tombar significa inventariar, arrolar ou inscrever nos arquivos do Reino, guardados na Torre do Tombo» (Direito administrativo, VIII-8), que provém da instalação do arquivo central português, em 1378 −durante o reinado de Dom Fernando I (1345-1383)− numa torre do Castelo de São Jorge, em Lisboa, torre essa que se designava «do Tombo». Foi guarda-mor desse arquivo o célebre historiador Fernão Lopes (c. 1380 -c. 1460).

A Constituição brasileira de 1988 trata do tombamento, de maneira mais particular, em seu art. 216. Depois de indicar a extensão do patrimônio cultural brasileiro:

«Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

I - as formas de expressão;

II - os modos de criar, fazer e viver;

III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;

V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico»,

tem-se nessa apontada Constituição: «O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação» (§ 1º do art. 216).

Outros dispositivos constitucionais versam sobre matéria que, de um ou doutro modo, interessam ao tema do tombamento (seguindo-se aqui as indicações de Lucas Rocha Furtado, Curso de direito administrativo, ed. Forum, 2.ed. , Belo Horizonte, 2010, p. 823-824):

  • item LXXIII do art. 5º: «qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência»;
  • art. 23: «É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (…) III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos»;
  • art. 24: «Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (…) VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico»;
  • art. 30: «Compete aos Municípios: (…) IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual»;
  • art. 129: «São funções institucionais do Ministério Público: (…) III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos».

No âmbito subconstitucional têm relevo o Decreto-lei 25/1937 (de 30-11) e a Lei 3.924/1961 (de 26-7), lei esta que dispõe sobre monumentos arqueológicos e pré-históricos, pondo-os sob a guarda e proteção do poder público (art. 1º), assim considerados (art. 2º):

  • «as jazidas de qualquer natureza, origem ou finalidade, que representem testemunhos de cultura dos paleoameríndios do Brasil, tais como sambaquis, montes artificiais ou tesos, poços sepulcrais, jazigos, aterrados, estearias e quaisquer outras não especificadas aqui, mas de significado idêntico a juízo da autoridade competente»;
  • «os sítios nos quais se encontram vestígios positivos de ocupação pelos paleoameríndios tais como grutas, lapas e abrigos sob rocha»;
  • «os sítios identificados como cemitérios, sepulturas ou locais de pouso prolongado ou de aldeamento, <estações> e <cerâmicos>, nos quais se encontram vestígios humanos de interesse arqueológico ou paleoetnográfico»;
  • «as inscrições rupestres ou locais como sulcos de polimentos de utensílios e outros vestígios de atividade de paleoameríndios».

Prosseguiremos, passando, então, a considerar o Decreto-lei 25, de 1937.