(da série Registros sobre Registros, n. 272)
Des. Ricardo Dip
952. Conforme ficou visto, dispõe o vigente Código brasileiro de processo civil que, “pago o imposto de transmissão a título de morte e juntada aos autos certidão ou informação negativa de dívida para com a Fazenda Pública, o juiz julgará por sentença a partilha” (caput do art. 654), cabendo acrescentar que o mesmo Código tornou possível, em regra não constante da codificação processual anterior, que, uma vez garantido o pagamento do imposto de transmissão, possa proferir-se a sentença de julgamento da partilha (par.único do art. 654).
Além disso, contudo, avista-se um relevante dissídio pretoriano acerca da exigência do pagamento desse tributo. A questão é esta: cabendo ao juiz do inventário decidir sobre o cálculo do tributo de transmissão mortis causa (§ 2º do art. 638, regra já constante do Código processual de 1973: § 2º de seu art. 1.013), pode ele julgar em prol da isenção do imposto em favor dos beneficiários da gratuidade −isto é, por ausência de capacidade contributiva? O Superior Tribunal brasileiro de Justiça inclinou-se em favor da admissibilidade de o juiz reconhecer essa isenção; p.ex., ao julgar o REsp 173.505 (19-3-2002), esse Tribunal, em acórdão liderado pelo saudoso Min. Domingos Franciulli Netto, assim decidiu: “O artigo 179 do Código Tributário Nacional, ao regular a concessão da isenção pela autoridade administrativa, não ofende a regra inserida no artigo 1.013 do Código de Processo Civil [de 1973], aplicável à atividade jurisdicional no processo de inventário, onde compete ao juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, julgar o cálculo do imposto de transmissão causa mortis. Assim, o juiz do processo de inventário, além de determinar o cálculo do valor do imposto, é competente para declarar sua isenção, porquanto a competência da autoridade administrativa fiscal prevista pelo Código Tributário Nacional não exclui a competência do magistrado” (no mesmo sentido, outros julgados do mesmo Tribunal: REsp’s 111.566, 114.461, 138.843, 143.542, 143.563 e 238.161).
É de assinalar que a solução do tema, no STJ, fundou-se sobretudo no enfrentamento do conflito eventual entre o § 2º do art. 1.013 do Código processual de 1973 (ou, agora, § 2º do art. 638 do Código processual de 2015) e o art. 179 do Código tributário nacional (“A isenção, quando não concedida em caráter geral, é efetivada, em cada caso, por despacho da autoridade administrativa, em requerimento com o qual o interessado faça prova do preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos previstos em lei ou contrato para sua concessão”). Ou seja, o STJ considerou a questão, em especial, sob o aspecto da competência para declarar a isenção: se apenas a autoridade administrativa −art. 179 do Código tributário− ou se também o juiz do inventário −§ 2º do art. 638 do novo Código processual (ou § 2º do art. 1.013 do Código anterior).
Formou-se entendimento oposto, p.ex., no Tribunal de Justiça de São Paulo, firmando-se em que, prevendo o Código tributário nacional, dois modos de exclusão do crédito do fisco, quais sejam a isenção e a anistia (art. 175), e aquela, a isenção, “é sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo caso, o prazo de sua duração” (art. 176), de maneira que, não havendo, em lei, hipótese de isenção correspondente à gratuidade processual, não cabe ao judiciário deferir a exoneração do tributo por meio de isenção específica. Lê-se, a propósito, no art. 97 do referido Código tributário: “Somente a lei pode estabelecer: (…) VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades”.
Como quer que seja, não caberá ao registrador a qualificação do formal de partilha no que tange com esse tema da isenção tributária, suposto que, deferida pelo juiz em sentença, tenha a decisão judicial transitado em julgado (o que se há de confirmar com a certidão correspondente).
953. O Código de processo civil brasileiro em vigor −já isto ficou referido− admite a retificação da partilha, objeto de apreciação e decisão nos próprios autos judiciais do inventário, retificação que não se impede pelo trânsito em julgado da sentença, contanto que com a alteração estejam de acordo todos os interessados (art. 656).
Entre as hipóteses retificadoras da partilha estão as previstas nos arts. 2.021 e 2.022 do Código civil brasileiro. O primeiro assim dispõe: “Quando parte da herança consistir em bens remotos do lugar do inventário, litigiosos, ou de liquidação morosa ou difícil, poderá proceder-se, no prazo legal, à partilha dos outros, reservando-se aqueles para uma ou mais sobrepartilhas, sob a guarda e a administração do mesmo ou diverso inventariante, e consentimento da maioria dos herdeiros”. E prescreve o art. 2.022: “Ficam sujeitos a sobrepartilha os bens sonegados e quaisquer outros bens da herança de que se tiver ciência após a partilha”.