(da série Registros sobre Registros, n. 352)
Des. Ricardo Dip
1.103. Prosseguindo no capítulo relativo ao registro da desapropriação imobiliária, trataremos nesta explanação, sempre de maneira breve, do primeiro destes dois temas: (i) o do título para esse registro e, na próxima semana, (ii) o da relevância da publicidade registral para o efetivo pagamento do preço da expropriação.
Lê-se no art. 29 do Decreto-lei 3.365, de 1941: «Efetuado o pagamento ou a consignação, expedir-se-á, em favor do expropriante, mandado de imissão de posse, valendo a sentença como título hábil para a transcrição no registro de imóveis».
Já vimos que esse referido mandado de imissão de posse terá caráter provisório −mas distinto do da imissão prevista no art. 15 do mesmo Decreto-lei 3.365−, enquanto não se satisfaça a condição que se exige para que se caracterize seu caráter definitivo: o pagamento ou a consignação judicial do valor indenitário assinado na sentença. Saliente-se que essa consignação equivale ao pagamento do preço aquisitivo, tal o diz o art. 33 da Lei geral da desapropriação: «O depósito do preço fixado por sentença, à disposição do juiz da causa, é considerado pagamento prévio da indenização».
Tanto já se indicou, proferida que seja, pois, a sentença no processo de desapropriação, e uma vez efetuado o pagamento ou ao menos a consignação do preço aquisitivo, caberá a expedição de um título judicial para os fins registrais (art. 29 do Decreto-lei 3.365/1941). Esse título formal poderá ser uma carta de sentença, um mandado ou até uma certidão (cf. inc. IV do art. 221 da Lei 6.015, de 1973; assinale-se que o inc. I do § 5º do art. 176-A da mesma Lei 6.015 se refere à «carta de adjudicação» do processo expropriatório). Não é de todo raro que se apresentem, a propósito, em vez de cartas de sentença, mandados ou certidões, ofícios emitidos pela repartição judicial com o fim de que se promova o registro da desapropriação; em rigor, não se trata de título idôneo para inscrever-se no cartório de imóveis, mas não se exclui a possibilidade de superar a formulação −o que lhe inclui o nome− do instrumento, tomando-o antes pelo conteúdo do que se busca mediante ele.
O art. 29 do Decreto-lei 3.365 enuncia, de maneira expressa, que a sentença constitui título hábil para a transcrição no registro de imóveis. Ainda que não se impeça seja a sentença transcrita no livro 3 (registro auxiliar) do ofício imobiliário (cf. inc. VII do art. 178 da Lei 6.015, que dispõe possam transcrever-se «os títulos que, a requerimento do interessado, forem registrados no seu inteiro teor, sem prejuízo do ato, praticado no Livro nº 2»), isso já supõe uma compreensão menos rígida do que enuncia o art. 177 da mesma Lei 6.015: «O Livro nº 3 - Registro Auxiliar - será destinado ao registro dos atos que, sendo atribuídos ao Registro de Imóveis por disposição legal, não digam respeito diretamente a imóvel matriculado». É que, como se vê, essa previsão do art. 177 remete o «registro» no livro 3 aos títulos que não digam respeito a imóvel matriculado (ou, acrescentemos, a imóvel objeto de transcrição), o que, pois, não propiciaria, em rigor, que para ali se destinasse um título que, ordinariamente, concerne a imóvel já matriculado ou transcrito. No limite, poderia arguir-se a hipótese da desapropriação de imóvel ainda não integrado ao sistema registral (p.ex., um imóvel cujo domínio já se houvesse antes reconhecido em processo judicial de usucapião, mas não levado ao registro).
O que, efetivamente, mais importa, é salientar que, embora o Decreto-lei 3.365 se refira à transcrição da sentença, deve a isso preferir-se a previsão da Lei 6.015, de 1973, que se remete ao registro «das sentenças que, em processo de desapropriação, fixarem o valor da indenização» (n. 34 do inc. I do art. 167).
Observe-se que o art. 168 da Lei 6.015 assim enuncia: «Na designação genérica de registro, consideram-se englobadas a inscrição e a transcrição a que se referem as leis civis», e essa Lei 6.015 é normativa especial, de maneira que prevalece sobre disposições genéricas. Além disso, a mesma Lei 6.015 é posterior ao Decreto-lei 3.365, sendo o caso de invocar-se, neste passo, o disposto no § 1º do art. 2º do Decreto-lei 4.657, de 4 de setembro de 1942: «A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior».
Assim, a desapropriação registra-se; registra-se no livro 2 do ofício imobiliário competente, abrindo-se matrícula quando isso se propiciar, incluso à conta de conveniência (nada impede, com efeito, que se encerre matrícula anterior, inaugurando-se nova matriz, em variadas hipóteses: p.ex., a de desapropriação que abranja mais de um imóvel matriculado).
Cabe ainda referir −embora haja controvérsia antiga sobre o tema− que o registro da desapropriação imobiliária parece ter caráter declarativo. Com efeito, dispondo o art. 35 da Lei geral da desapropriação que «os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de reivindicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer ação, julgada procedente, resolver-se-á em perdas e danos», saliente-se que já seu art. 33 indicara ser condição −que se há de ter por necessária e suficiente− para adquirir-se o domínio o pagamento ou consignação do preço. A conveniência do registro do título aquisitivo não o eleva à condição de modo constitutivo, exatamente porque não se trata de um contrato de transferência imobiliária, mas de uma sujeição do particular.
José Carlos de Moraes Salles disse a propósito: «A aquisição decorrente de desapropriação, pela natureza especial desta última, não se subordina ao registro do título translativo, o que não significa, entretanto, que tal registro não seja uma formalidade útil, a fim de dar-lhe continuidade e operar efeitos extintivos da propriedade anterior» (in A desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência, ed. Revista dos Tribunais, 5.ed, São Paulo, 2006, p. 505). Cabe divergir em parte desse notável autor, no tocante com os «efeitos extintivos da propriedade anterior», porquanto a extinção do domínio precedente já emerge com o pagamento ou consignação do preço; mas, de resto, é de todo correta sua lição).
Prosseguiremos, se Deus quiser.