(da série Registros sobre Registros, n. 346)
Des. Ricardo Dip
1.095. Peço licença, inicialmente, aos que de modo tão generoso acompanham estas explanações de nossa já larga série "Registros sobre Registros", que frui do honroso apoio de Academia Paranaense de Direito Notarial e Registral, assim como da Associação dos Notários e Registradores do Estado do Paraná (Anoreg-PR), a fim de fazer aqui uma pequena reverência à memória do Des. José Carlos de Moraes Salles, cuja obra sobre desapropriação tem servido de alicerce para estas exposições acerca do registro da expropriação de imóveis.
Natural da cidade paulista de Campinas, José Carlos de Moraes Salles nasceu no dia 25 de agosto de 1928. Bacharelou-se em direito na Faculdade do Largo de São Francisco, no ano de 1959, e, inclinando-se ao exercício da advocacia, foi nomeado, em 30 de junho de 1981, para o quadro da Magistratura do Estado de São Paulo, pelo quinto constitucional, assumindo o cargo no II Tribunal de Alçada Civil de São Paulo. Pouco mais de quatro anos após, no dia 13 de agosto de 1985, ascendeu ao cargo de Desembargador do Tribunal de Justiça paulista. Aposentou-se em 5 de janeiro de 1987, e faleceu, cuja alma Deus tenha, no dia 15 de setembro de 2023. Entre seus escritos, apontem-se aqui (i) Recurso de agravo, (ii) Usucapião de bens imóveis e móveis e (iii) A desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência, todos editados pela Revista dos Tribunais, de São Paulo.
Reitere-se aqui a apreciação que, ao longo das explanações deste capítulo, já tive a oportunidade de proferir, repetidamente, quanto à excelência das lições de Moraes Salles neste último citado livro −A desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência−, que não é demasiado considerar uma espécie de vulgata da desapropriação no Brasil.
1.096. Feita, assim, esta pequena homenagem póstuma, prossigamos com o exame de nosso tema relativo ao registro da desapropriação de imóveis, incursionando, ainda que a breve trecho, nas regras do art. 15 do Decreto-lei 3.365, de 1941.
Prevê esse dispositivo que, tanto, na via judicial, alegue o expropriante urgência no empossamento da coisa objeto da desapropriação, e deposite a quantia arbitrada segundo o constante do "art. 685 do Código de Processo Civil" (sic), o juiz ordenará "imiti-lo provisoriamente na posse" do bem almejado.
Trata-se, pois, de uma primeira singular investidura possessória que beneficia o expropriante, imissão essa condicionada a um depósito pecuniário cujo valor, assim indicou o caput do art. 15 do Decreto-lei 3.365, deve arbitrar-se com observância do disposto no "art. 685 do Código de Processo Civil". Esta referência é a uma regra do Código de processo civil de 1939, que, cuidando das medidas judiciais preparatórias, enunciava: "Despachada a petição, feitas as citações necessárias e, no prazo de quarenta e oito (48) horas, contestado, ou não, o pedido, o juiz procederá a uma instrução sumária, facultando às partes a produção de provas, dentro de um tríduo, e decidindo, em seguida, de acordo com o seu livre convencimento".
Pois bem, revogado o Código de 1939, essa regra de seu art. 685, destinada a uma avaliação, parece corresponder, de algum modo −quando menos por analogia−, ao que dispõe o novo Código processual −o de 2015−, em seus arts. 870 et sqq.
É bem verdade que a avaliação a que dizem respeito estas regras dos arts. 870 a 875 do Código de 2015 é ato praticado pelo oficial de justiça (art. 870), mas, não menos verdade, é que já o art. 874 desse Código se reporta a uma decisão judicial, além de o art. 14 do Decreto-lei 3.365 indicar a quem incumbe realizar essa avaliação: "Ao despachar a inicial, o juiz designará um perito de sua livre escolha, sempre que possível, técnico, para proceder à avaliação dos bens".
Cabe o registro da imissão do expropriante, de maneira provisória, na posse do imóvel desapropriando (§ 4º do art. 15 do Dec.-lei 3.365), imissão que pode ocorrer antes da citação do demandado, como se lê no § 1º do art. 15 do mesmo Decreto-lei 3.365, conforme o texto incluído nessa Lei geral em 1956, desde que observados os requisitos previstos nas alíneas desse mesmo § 1º −matéria que é exclusiva de apreciação e decisão judiciais, não competindo seu exame à qualificação do registrador.
Saliente-se que tampouco é da atribuição do oficial do registro verificar a caducidade da alegação de urgência para os fins de imissão na posse. Essa alegação que não é suscetível de renovar-se, impõe que, diz a lei, dentro no prazo improrrogável de 120 dias, o expropriante requeira a imissão (§ 2º do referido art. 15). Se, contra a disposição do § 3º do mesmo art. 15 –"Excedido o prazo fixado no parágrafo anterior não será concedida a imissão provisória"−, o juiz decidir deferi-la, não cabe ao registrador fazer as vezes de uma instância recursal.
As normas dos arts. 15-A e 15-B do Decreto-lei 3.365 versam, respectivamente, acerca dos juros compensatórios (contados, a partir da imissão na posse, em até 6 ao ano sobre o valor da diferença eventualmente apurada entre o preço indenizatório assinado na sentença e a oferta inicial, "vedada a aplicação de juros compostos") e dos juros moratórios (destinados a recompor a perda resultante "do atraso no efetivo pagamento da indenização fixada na decisão final de mérito", apenas sendo devidos "à razão de até seis por cento ao ano, a partir de 1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito, nos termos do art. 100 da Constituição").
O art. 16 da Lei geral da desapropriação, embora regra referida de maneira direta ao processo judicial, talvez −senão logo, mas de futuro− possa ter aplicação, por analogia, no processo extrajudicial de usucapião. Dispõe esse art. 16: "A citação far-se-á por mandado na pessoa do proprietário dos bens; a do marido dispensa a da mulher; a de um sócio, ou administrador, a dos demais, quando o bem pertencer à sociedade; a do administrador da coisa no caso de condomínio, exceto o de edifício de apartamento constituindo cada um propriedade autonôma, a dos demais condôminos e a do inventariante, e, se não houver, a do cônjuge, herdeiro, ou legatário, detentor da herança, a dos demais interessados, quando o bem pertencer a espólio".
Na sequência os arts. 17 a 19 do Decreto-lei 3.365 tratam da citação no processo judicial, admitindo-se, quando de suas hipóteses, que se faça por meio de carta precatória ou de edital.
Prosseguiremos.