(da série Registros sobre Registros, n. 304)
Des. Ricardo Dip
1.024. Estamos examinando o tema do registro da compra e venda de imóvel, e, depois de fazermos, agora e por primeiro, alguma referência a traços diferenciais deste contrato em cotejo com dois outros pactos, passaremos a tratar da compra a venda condicional, uma vez que a vigente Lei 6.015, de 1973, prevê a inscrição tanto da compra a venda simples, quanto da compra e venda condicional.
Comecemos pela distinção entre a permuta e a compra e venda, discrimen que está posto na «contraprestação do devedor»: na compra e venda, essa contraprestação deve ser em dinheiro; na permuta, em coisa não pecuniária.
A permuta −que também se designa escambo, barganha, troca− foi historicamente uma prática negocial anterior à adoção da compra e venda. Álvaro D'Ors observou que a compra a venda teve tamanha força expansiva que, embora pudesse distinguir-se de outros negócios jurídicos (p.ex., do contrato estimatório ou de venda consignada −datio in æstimatum−, pelo qual uma pessoa entrega a outra bens, com preço fixado, para que as revenda, com a faculdade de restituir as não alienadas, em vez de pagar-lhe o preço), terminou muitas vezes por absorvê-los. Assim, como é sabido, em Roma, os sabinianos opinavam fosse a permuta um modo da compra a venda, nisto conflitando com os proculeianos, que distinguiam ambos os negócios, indicando uma ação própria, a actio in factum, para os casos de permuta e de contrato estimatório.
O ponto nuclear, pois, da distinção entre a permuta e a compra e venda está no preço. A antiga tese dos proculeianos (que foi aceita por Justiniano), afirmando que o preço na compra e venda somente poderia satisfazer-se em moeda corrente, foi suplantado nos tempos posteriores, ao admitir-se que esse preço possa satisfazer-se por títulos não monetários, como o sejam os cheques, as letras de câmbio, ações, etc. (cf., a propósito, Carvalho de Mendonça, com apoio em Dernburg).
O mesmo Carvalho de Mendonça sustentou, de resto, que, ainda após celebrado o contrato de compra e venda, nada impediria que o vendedor aceitasse algo que não fosse dinheiro para a satisfação do preço. Trata-se aí da dação em pagamento. Além disto, nas compras a crédito, não se inibe, disse o autor, que se estipule "a obrigação alternativa de pagar o preço ou prestar uma coisa certa"; continua a ser compra a venda, de maneira que o ajuste revela sua idoneidade expansiva e de absorção de outros negócios.
Relativamente à doação, distingue-se a venda e compra por ser negócio jurídico oneroso, ao passo em que gratuita aquela. Vem a calhar, entretanto, que preços ínfimos podem desnaturar um contrato nominal de compra a venda, revelando a existência encoberta, mas real, de uma doação.
1.025. Tratemos agora, ainda que concisamente, do tema da compra e venda condicional: esse contrato pode celebrar-se, entre outras condições, quer sob condição suspensiva, quer sob condição resolutória.
A condição é sempre um evento futuro e incerto. Assim também o dispõe expressamente nosso atual Código civil: "Considera-se condição a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto" (art. 121). Desta maneira, a condição não compreende, portanto, as obrigações que se tenham pactuado para a satisfação do ajuste, mas apenas acontecimentos ulteriores e incertos, idôneos a suspender o pacto ou a resolver seus efeitos.
A compra e venda com condição suspensiva difere os efeitos do negócio, subordinando-os ao implemento dessa condição. Até que isto ocorra, ainda que se diga perfeita a compra a venda (p.ex., Francesco Degni), não se transmite a propriedade da coisa ao comprador, e se este a recebe do vendedor, reputa-se mero administrador da coisa. Carvalho de Mendonça chega a dizer que "não há venda antes da condição [suspensiva]". Serpa Lopes, por sua vez, referiu-se, neste quadro, à situação transeunte da compra e venda. Lê-se no art. 125 de nosso vigente Código civil: "Subordinando-se a eficácia do negócio jurídico à condição suspensiva, enquanto esta se não verificar, não se terá adquirido o direito, a que ele visa".
Já na compra e venda com condição resolutiva a ocorrência da condição faz cessar os efeitos do pacto, ou seja, o contrato produz todos seus efeitos até o implemento dessa condição que o resolve.
A Lei 6.015 enuncia explicitamente que o cabimento do registro stricto sensu da compra e venda imobiliária simples (ou pura) e da compra e venda condicional (cf. item 29 do inc. I do art. 167).
Sem embargo desta previsão expressa, abre-se ensejo a alguma controvérsia doutrinária acerca, especialmente, da possibilidade de registrar-se a compra e venda com condição suspensiva, porque a própria inscrição estaria com seus efeitos suspensos. O mesmo não correria com o registro da compra e venda com condição resolutiva.
Não falta plausibilidade ao fundamento que pretende distinguir ambos os registros, inibindo o do contrato de compra e venda com condição suspensiva por sua desarmonia com um sistema que tem por fim imediato conceder segurança jurídica, ou, em outros termos, certeza jurídica.
Todavia, é certo que o texto da norma não distingue uma e outra das espécies de venda condicional, o que tem feito propender o entendimento em favor da viabilidade jurídica do registro de ambas essas modalidades. Serpa Lopes observou que, embora a transcrição (agora, registro) da compra a venda sob condição suspensiva não tenha efeito constitutivo, possui, porém, efeitos assecuratórios, o que justifica seu registro (tese já sustentada por Lisipo Garcia).
Registrado o título, e uma vez ocorrida a condição, cabe averbar-lhe o implemento no registro de imóveis, não obstante a lei de regência não tenha previsão específica a propósito. De toda a sorte, a regra do art. 172 da Lei 6.015 ampara a prática dessa averbação: " No Registro de Imóveis serão feitos, nos termos desta Lei, o registro e a averbação dos títulos ou atos constitutivos, declaratórios, translativos e extintos de direitos reais sobre imóveis reconhecidos em lei, inter vivos ou mortis causa, quer para sua constituição, transferência e extinção, quer para sua validade em relação a terceiros, quer para a sua disponibilidade". Assinale-se que, tanto aconteça a condição suspensiva, há retroação da eficácia do ajuste (doutrina de Espínola Filho, de Carvalho Santos e de Serpa Lopes) se o registro já estiver realizado Arg. do art. 126 do Código civil: "Se alguém dispuser de uma coisa sob condição suspensiva, e, pendente esta, fizer quanto àquela novas disposições, estas não terão valor, realizada a condição, se com ela forem incompatíveis". A averbação, pois, confere efeito constitutivo ao registro anterior da compra e venda.
Diversamente, o registro da compra e venda sob condição resolutiva tem efeito constitutivo, e a ocorrência da condição deve averbar-se para o fim de "cancelar" a inscrição correspondente, bem como o de eventuais outros registros que se vejam afetados pelo implemento dessa condição.
Prosseguiremos, tratando de outras condições que possam ser apostas à compra e venda.