Extinção do usufruto: considerações gerais

(da série Registros sobre registros n. 213)

Des. Ricardo Dip

 

 844. Tal como o termo constituição de direitos possui duas acepções, também o conceito de extinção de direitos pode entender-se de dois modos: em sentido estrito, diz-se a extinção objetiva de um direito; com significação menos própria, refere-se a sua extinção subjetiva.

 

Em ambos esses modos há sempre uma alteração de um status jurídico inicial, mas ao passo em que, num primeiro sentido, o direito não subsiste –ou, quando sobreviva, transforma-se na parte objetiva (assim, p.ex., se o devedor não satisfaz uma dada obrigação de dar coisa certa, pode surgir a obrigação de ressarcimento, mas o direito inicial, transformado embora, subsiste e é a causa do débito ressarcitório). Na acepção imprópria (extinção subjetiva), preserva-se objetivamente a relação de direito, ainda que se modifique, no todo ou em parte, sua titularidade: é de Carnelutti, na Teoria geral do direito (§ 113), a observação de que o fato jurídico extintivo se reporta à situação inicial –esta que padece a eficácia extintiva–, mas constitui uma nova situação, o que sugere ao autor a ideia de tratar-se mais exatamente de um fato substitutivo (ou, na lição de Manuel Domingues de Andrade, um fato translativo, um fato de aquisição derivada).

 

845. A extinção subjetiva pode:

 

(i)     provir da vontade do titular do direito: p.ex., na doação de um imóvel, na cessão de um crédito, até mesmo, em dado aspecto, na sucessão testamentária;

 

(ii)    ser indiferente a essa vontade (tal é o caso da sucessão ab intestato, ou seja, a referida à parte disponível intestada); e

 

(iii)   ser oposta à vontade do titular do direito, de que são exemplos a desapropriação e a execução, em que o estado sujeita, na primeira hipótese, e substitui, na segunda, a vontade desse titular (cf. Manuel Domingues de Andrade, Teoria geral da relação jurídica, item 59).

 

846. Quanto à extinção objetiva, pode ela advir:

 

(i)     da destruição do objeto material do direito, seja essa destruição voluntária –i.e., proveniente de ato de terceiro ou do proprietário da coisa– ou involuntária: assim, v.g., a que resulte de um fenômeno da natureza (por força de uma inundação, de um raio, etc.);

 

(ii)    sem destruição do objeto material do direito, como é disto exemplo a derelictio, o abandono de uma coisa móvel; note-se que esse abandono da coisa não impede, na sequência, eventual aquisição do direito dominial sobre ela, que se constitui com caráter originário;

 

(iii)   do exercício (ou satisfação) do direito, cumprida a obrigação correspondente (assim, o pagamento do preço de uma compra ou o recebimento desse preço em via de execução processual);

 

(iv)   do não exercício do direito durante algum tempo, tal se dá com a decadência, a preclusão, a prescrição aquisitiva.

 

Cabe assinalar, com apoio ainda, p.ex., na doutrina de Manuel Domingues de Andrade, a figura da aquisição restitutiva como contraponto de um título extintivo, tal ocorre na consolidação dominial, quer como simples efeito de outro fato com caráter preponderante (assim, a renúncia à servidão), quer como resulta de um fato primeiro e intencionalmente aquisitivo (v.g., a hipótese de o usufrutuário adquirir a propriedade da coisa objeto do usufruto).

 

847. Toda extinção de direitos inscritos no ofício imobiliário –seja ela imprópria (subjetiva), seja ela stricto sensu (objetiva)– deve inscrever-se no registro de imóveis, ainda que só com fins de mera notícia do fato extintivo (hipótese de cancelamento, ou, mais exatamente, de encerramento da inscrição correlata).

 

Assim, no direito brasileiro vigente (Lei 6.015, de 1973), certo que “todos os atos enumerados no art. 167 são obrigatórios” (art. 169), prevê-se, no item 2º do inciso II do indicado art. 167, averbar-se o cancelamento “da extinção dos ônus e direitos reais”. Sublinhe-se que a  referência à extinção de ônus e direitos reais não é exaustiva da possibilidade de averbar-se o encerramento de inscrição correlativa precedente, bastando considerar, a propósito, o que consta da parte final do art. 249 da mesma Lei 6.015: “O cancelamento poderá ser total ou parcial e referir-se a qualquer dos atos do registro” (a ênfase gráfica não é do original).

 

Sublinhe-se que o Código civil brasileiro de 2002 estabeleceu no caput de seu art. 1.410 a expressa previsão de inscrever-se a extinção do usufruto no ofício predial de imóveis: “O usufruto extingue-se, cancelando-se o registro no Cartório de Registro de Imóveis”.

 

848. Esse mesmo art. 1.410 alista nove causas extintivas do usufruto, causas que, no entanto, não têm caráter exaustivo.

 

São esses os títulos extintivos do usufruto elencados no art. 1.410 do vigente Código civil nacional: (i) a renúncia do usufrutuário; (ii) sua morte; (iii) o termo de duração do usufruto (o que abrange a hipótese do decurso de 30 anos da data em que uma pessoa jurídica passe a exercer o uso e fruição da coisa); (iv) a extinção da pessoa jurídica, em benefício de quem o usufruto se constituíra; (v) a cessação do motivo que ensejou o usufruto; (vi)  a destruição da coisa objeto do direito; (vii) a consolidação do domínio; (viii) a hipótese de culpa do usufrutuário, quando, alienando, deteriorando, ou deixando arruinar os bens, não lhes socorra com os reparos de conservação (“ou quando, no usufruto de títulos de crédito, não dá às importâncias recebidas a aplicação prevista no parágrafo único do art. 1.395” do mesmo Código civil); (ix) o não uso ou não fruição da res objeto do usufruto.

 

Cabe observar que nem todos os títulos arrolados no art. 1.410 do Código civil brasileiro se previam no correspondente art. 739 do Código anterior, e, a exemplo do caráter não taxativo da lista do art. 1.410 do Código ora em vigor, também se entendeu enunciativo o rol do art. 739 do Código brasileiro de 1916. Bastaria ver que seu art. 741 logo se apressou a indicar outros títulos extintivos adicionais às hipóteses explícitas do art. 739.

 

Assim é que em nosso Código de 1916 se diziam títulos extintivos do usufruto, concordantemente com o que adiante viria a abrigar-se no Código de 2002, a morte do usufrutuário, o termo de duração do direito de usufruto (acrescentando-se no art. 741 do Código precedente a hipótese de extinção da pessoa jurídica e o decurso centenário do exercício do usufruto por ela), a cessação da causa de que se originou esse direito, a destruição da coisa, a consolidação e a falta do adequado  reparo dos bens, quando, contanto que presente a culpa do usufrutuário, ele as aliene, deteriore ou deixe arruinar. Não havia, pois, no Código de 1916, referência expressa ao não uso ou não fruição da coisa objeto do usufruto, nem à sua renúncia pelo credor, mas, ao revés do que ocorre com o Código de 2002, o antecedente previa de modo expresso a prescrição como causa extintiva do usufruto.

 

Já a doutrina civilista relativa ao Código civil de 1916 acrescentava às hipóteses extintivas de usufruto expressamente indicadas na lei de regência a renúncia pelo usufrutuário, a resolução do domínio o advento de condição resolutiva (cf. Clóvis Beviláqua, Carvalho de Mendonça, Carvalho Santos), e, no mesmo sentido, de par com a prescrição, também a resolução dominial (“desde que a causa determinante remonte a época anterior à instituição do usufruto” –Arnaldo Rizzardo) e o implemento de condição resolutiva (p.ex., a da conclusão de curso superior ou a do casamento do beneficiário) devem, sob a regência do Código civil de 2002, estimar-se por títulos com eficácia extintiva do usufruto.