(da série Registros sobre Registros n. 398)
Des. Ricardo Dip
1.198. Prosseguiremos no exame da lista dos títulos objeto de averbação no ofício imobiliário, tal como arrolados no inciso II do art. 167 da Lei 6.015, de 1973, lista que não inibe a possibilidade de uma extensão não apenas exógena (ou seja, por meio de legislação extravagante da Lei 6.015), senão que tampouco impede a expansão endógena ou interna, como é bastante admitido pela jurisprudência doutrinária e pretoriana.
O item 10 do inciso II do referido art. 167 prevê a averbação do restabelecimento da sociedade conjugal.
O evidente suposto desse restabelecimento é uma anterior separação judicial ou consensual.
Aqui fica abstraída a solução adotada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 1.167.478 (em 8-11-2023), para contemplar a situação dos que, sem embargo desse julgado, possuam o status jurídico dos separados judicial ou consensualmente.
Como se sabe, o STF, nesse apontado RE 1.167.478, enunciou a tese de que, «após a promulgação da Emenda Constitucional 66/2010, a separação judicial não é mais requisito para o divórcio, nem subsiste como figura autônoma no ordenamento jurídico». Mas, no mesmo enunciado, lê-se:«Sem prejuízo, preserva-se o estado civil das pessoas que já estão separadas por decisão judicial ou escritura pública, por se tratar de um ato jurídico perfeito».
Lê-se no texto do art. 1.571 do vigente Código civil:
«A sociedade conjugal termina:
I - pela morte de um dos cônjuges;
II - pela nulidade ou anulação do casamento;
III - pela separação judicial;
IV - pelo divórcio.»
Na sequência, dispõe o mesmo Código civil em seu art. 1.577:
«Seja qual for a causa da separação judicial e o modo como esta se faça, é lícito aos cônjuges restabelecer, a todo tempo, a sociedade conjugal, por ato regular em juízo.
Parágrafo único. A reconciliação em nada prejudicará o direito de terceiros, adquirido antes e durante o estado de separado, seja qual for o regime de bens.»
Assim, o Código civil prevê o restabelecimento da sociedade conjugal expressamente para a hipótese de separação judicial, exigindo «ato regular em juízo».
Calha que o antigo nosso Código de processo civil de 1973 teve o acréscimo, em 2007, de um dispositivo −o art. 1.124-A− que permitiu que se fizesse a separação consensual por meio de escritura pública:
«A separação consensual e o divórcio consensual, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento.
§ 1º A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para o registro civil e o registro de imóveis.
(…).»
Disso proveio que o Conselho Nacional de Justiça, mediante a Resolução 35/2007 (de 24-4), tenha entendido que o restabelecimento da sociedade conjugal −«ainda que a separação tenha sido judicial»− poderia perfazer-se por escritura pública (art. 48), exigindo constar dessa escritura que os clientes foram orientados «sobre a necessidade de apresentação de seu traslado no registro civil do assento de casamento, para a averbação devida» (art. 49).
Previu-se ainda na mesma Resolução 35: «A averbação do restabelecimento da sociedade conjugal somente poderá ser efetivada depois da averbação da separação no registro civil, podendo ser simultâneas» (art. 51).
A separação da sociedade conjugal é fato inscritível, por averbação, no registro civil das pessoas naturais (caput do art. 100 da Lei 6.015: «No livro de casamento, será feita averbação da sentença de nulidade e anulação de casamento, bem como do desquite, declarando-se a data em que o Juiz a proferiu, a sua conclusão, os nomes das partes e o trânsito em julgado»), e o restabelecimento dessa sociedade também é objeto de averbamento no registro civil: «Será também averbado, com as mesmas indicações e efeitos, o ato de restabelecimento de sociedade conjugal» (art. 101).
Cabe salientar que a hipótese examinada nesta explanação é a do restabelecimento da sociedade conjugal e não a do restabelecimento do vínculo conjugal.
Uma coisa, com efeito, é que a sociedade conjugal, depois de prévia separação jurídica, venha a restabelecer-se, o que pode resultar de sentença judicial ou de escritura pública, assim ficou visto. E essa sentença ou essa escritura serão documentos formais bastantes para a averbação do restabelecimento quer no registro civil, quer, na sequência, no registro de imóveis.
Coisa diversa, no entanto, passa-se com o restabelecimento do vínculo conjugal, dissolvido, segundo os termos da lei positiva em vigor, mediante o divórcio. Nessa hipótese, diferentemente do que ocorre com a separação da sociedade conjugal, não se viabiliza mero reatamento vincular por meio de sentença ou de escritura notarial, exigindo-se nova celebração de matrimônio, conforme se lê no art. 33 da Lei 6.515/1977 (de 26-12): «Se os cônjuges divorciados quiserem restabelecer a união conjugal só poderão fazê-lo mediante novo casamento». [Nesse sentido, a doutrina de Wilson de Souza Campos Batalha e, abonando-a, de Ralpho Valdo de Barros Monteiro Filho].
Mais uma vez, o registrador de imóveis, para averbar um restabelecimento de vínculo conjugal, deverá exigir certidão −expedida pelo registro civil das pessoas naturais− referente ao novo matrimônio dos interessados (cf. arts. 70 et sqq. da Lei 6.015, de 1973). Essa certidão, de resto, é o próprio título formal para esse averbamento, diversamente do que ocorre com o restabelecimento da sociedade conjugal que, a despeito da acessoriedade da certidão do registro civil, tem por títulos formais nucleares a sentença judicial ou a escritura pública.