Averbação das convenções antenupciais e do regime de bens diversos do legal (segunda parte -conclusão)

         (da série Registros sobre Registros, n. 382)

                                                      Des. Ricardo Dip

1.149. Reiterando: estamos a ver que, no direito brasileiro positivo em  vigor, o registro stricto sensu do pacto pré-nupcial deve efetuar-se no livro  registro auxiliar (livro 3) do ofício imobiliário (inc. V do art. 178 da Lei 6.015, de 1973), cuja atribuição territorial –atribuição ratione loci– é, nos termos da normativa de regência, a  do «domicílio conjugal» (art. 244), além de prever-se a averbação do pacto nas matrículas (e, quando o caso, à margem das transcrições) referentes a imóveis ou direitos reais de qualquer dos cônjuges (item 1º do inc. II do at. 167 e art. 244 da Lei 6.015).

         Assim, a competência geográfica para o registro stricto sensu do pacto não é a do registrador do local em que se celebra o casamento, nem a daquele em que se situem imóveis dos cônjuges. Já fizemos ver que a indicação do domicílio não é requisito da escritura pública da convenção matrimonial, podendo suprir-se por declaração póstera dos cônjuges, sendo quando menos prudente que o registrador –até porque o exame da própria competência registral é matéria de objeção– exija alguma confirmação do domicílio declarado.

         Diferentemente, a averbação das convenções antenupciais e de regime de bens diverso do legal tem por ofício imobiliário competente o do locus dos imóveis de qualquer dos cônjuges.

         O pacto pré-nupcial, já o deixamos dito, é um negócio jurídico –em outras palavras: um acordo de vontades–, um ajuste sujeito às normas gerais relativas aos contratos, com a ressalva de eventuais disposições específicas.

         Prevendo a normativa posta atualmente no Brasil os regimes econômicos matrimoniais (i) de comunhão parcial; (ii) de comunhão universal; (iii) de separação convencional; (iv) de separação legal de bens; e (v) de participação final nos aquestos (regime substituinte do antigo regime dotal existente em nosso Código civil de 1916)–, permanece viva a lição do Conselheiro Lafayette Rodrigues Pereira (1834-1917), notável jurista pátrio que foi Ministro da Justiça e Presidente do Conselho de Ministros em nosso Segundo Império, para quem Lafayette «podem os contraentes escolher um destes regimes, ou modificá-los e combiná-los entre si de modo a formar uma nova espécie, como se por exemplo convencionam a separação de certos e determinados e a comunhão de todos os demais» (Direitos de família, §50).

         Assim, reconhece-se amplo espaço para o exercício da autonomia das vontades contratantes no plano econômico do ajuste matrimonial (art. 1.639 do Código civil: «É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver»), podendo os interessados estabelecer, portanto, qualquer dos regimes econômico-nupciais admitidos em lei –incluído o que tenha caráter supletivo (i.e., atualmente, no Brasil, o da comunhão parcial de bens). Notório seria o exagero de espiolhar nulidade por uma escritura pública de pacto antenupcial indicar o regime de bens tido já por supletivamente legal, até porque −em patente contrassenso−, nula se declarasse a escritura, o regime econômico matrimonial seria o mesmo da comunhão parcial indicado no documento notarial (art. 1.640 do Código civil: «Não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial»).

         Repitamos já aqui invocada doutrina de Carvalho Santos, para quem nada impede que os pactantes combinem «os diversos regimes previstos pela lei» (Código civil brasileiro interpretado, tomo V, comentário ao art. 256), desde que, com a combinação dos regimes, não se adotem (i) disposições incompatíveis entre si, (ii) contrárias às expressas limitações legais (veja-se o art. 1.641 do Código civil), (iii) fraudatórias de terceiros ou, opostas a «disposição absoluta de lei» (art. 1.655 do mesmo Código: «É nula a convenção ou cláusula dela que contravenha disposição absoluta de lei»).

         Voltemos a ponto anterior: o pacto antenupcial é, pois, um negócio jurídico –diz, a propósito, Rosa Maria de Andrade Nery que o pacto pode ser um conjunto negocial reportado ao gênero dos negócios antenupciais (vol. V das Instituições de direito civil, p. 189 et sqq.). Há de ser um negócio jurídico celebrado, indispensavelmente, antes do matrimônio dos contratantes, casamento esse que, entretanto, além de influenciar no pacto com o status de condição suspensiva, integra o objeto negociais, porque as estipulações matrimoniais visam exatamente à regência da vida conjugal.

         Já se apontou que as pactuações essenciais a uma convenção matrimonial –que são os ajustes propriamente destinados à regência econômica do matrimônio– podem acrescentar-se estipulações não essenciais, isto é, não referíveis à direção do regime patrimonial do casamento. Daí que possa haver diversos capítulos numa só escritura pública do pacto.

         Capitulação significa «fazer convenção» (De Plácido e Silva, Vocabulário jurídico), e as capitulações ou capítulos matrimoniais abrangem as convenções de regulação econômica do matrimônio futuro e ajustes relativos a objetos que não integram o regime de bens no matrimônio (p.ex., o reconhecimento de filiação não matrimonial e doações em razão do matrimônio).

         Dessa maneira, nada obstante o pacto antenupcial ser um contrato que, principalmente, diga respeito ao regime econômico matrimonial, isso não inibe a possibilidade de no mesmo pacto indicarem-se outros ajustes, com ou sem relação com o matrimônio.

         Registrado o pacto (item 12 do inc. I do art. 167 e inc. V do art. 178 da Lei 6.015), deve ele ainda averbar-se nas matrículas −ou marginalmente às transcrições− referentes a imóveis ou direitos reais de qualquer dos cônjuges (item 1º do inc. II do at. 167 e art. 244 da Lei 6.015). Competirá ao oficial imobiliário qualificar o título −necessariamente uma escritura pública− e aferir a prova da realização do casamento subsequente (art. 1.653 do Código civil: «É nulo o pacto antenupcial se não for feito por escritura pública, e ineficaz se não lhe seguir o casamento»), qualificação que se exige a despeito do registro precedente da escritura da convenção.

         Importa ainda referir −e por fim− acerca dos averbamentos retificadores tanto do registro anterior do pacto, quanto de sua averbação.

         Pode, com efeito, dar-se o fato de um erro na inscrição −indicando-se regime diverso do constante do pacto−, quanto ocorrer a modificação intercorrente do regime matrimonial de bens.

         Prevendo o Código civil brasileiro vigente, em seu art. 1.639, sendo lícito aos nubentes −e sempre desde que de modo precedente à celebração do casamento «estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver», dispõe que esse regime comece «a vigorar desde a data do casamento» (§ 1º), admitindo, porém, já o deixamos dito na exposição anterior, a alteração do regime, desde que autorizada judicialmente na apreciação de «pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros» (§ 2º).

         Trata-se aqui do averbamento da novação do regime econômico-matrimonial, que deve realizar-se tanto no livro 3 (na sequência, pois, do lançamento relativo ao registro do pacto), quanto no livro 2, retificando-se, desse modo, a averbação anterior referente ao regime.

         Muito provável é que, sem essas averbações, não se possam extrair efeitos da alteração quanto a terceiros, por força extensiva do que dispõe o art. 1.657 do Código civil: «As convenções antenupciais não terão efeito perante terceiros senão depois de registradas, em livro especial, pelo oficial do Registro de Imóveis do domicílio dos cônjuges».