(da série Registros sobre Registros n. 387)
Des. Ricardo Dip
1.184. Para continuar, nesta série, o exame do tema da averbação prevista no item 4º do inciso II do art. 167 da Lei 6.015, de 1963, cuidaremos agora, brevemente, da certidão negativa de débito de obra (CND e também, alguma vez, designada sumariamente como CNDO ou mesmo CDO), e, na semana que vem, do loteamento e do desmembramento.
Essa referida certidão visa a asseverar a regularidade fiscal relativa a contribuições sociais que tenham por objeto construções imobiliárias.
A Lei 8.212, de 24 de julho de 1991, tratando da organização da seguridade social, prevê no inciso II de seu art. 47: «É exigida Certidão Negativa de Débito-CND, fornecida pelo órgão competente, nos seguintes casos: (…) II- do proprietário, pessoa física ou jurídica, de obra de construção civil, quando de sua averbação no registro de imóveis, salvo no caso do inciso VIII do art. 30» (esse inc. VIII do art. 30 da Lei 8.212 dispõe: «nenhuma contribuição à Seguridade Social é devida se a construção residencial unifamiliar, destinada ao uso próprio, de tipo econômico, for executada sem mão-de-obra assalariada, observadas as exigências do regulamento»).
Essa Lei 8.212 foi regulamentada pelo Decreto 3.048, de 6 de maio de 1999, regulamento esse cujo art. 257 −que tratava da certidão de débito previdenciário relativo a obras (inc. II)− foi revogado pelo Decreto 8.302/2914 (de 4-9).
A exigência de exibir-se prova da quitação de débito previdenciário para o averbamento de construções surgiu com o Decreto-lei 66, de 21 de novembro de 1966, que, em seu art. 25, incluiu na Lei 3.807/1960 (de 26-8) um dispositivo (art. 141), impondo a exigência de apresentar-se o Certificado de Regularidade de Situação (CRS) para o averbamento «de construção ou de incorporação de prédios no Registro de Imóveis». Como fez ver Ulysses da Silva, em autorizada monografia sobre o tema previdenciário no registro público de imóveis, do advento do Decreto-lei 66 «para cá ela [a prova de quitação de débitos previdenciários para averbar-se a construção] tem constado sistematicamente de todas as leis e decretos constituintes do Regulamento da Organização e Custeio da Seguridade social» (A previdência social e o registro de imóveis, ed. Irib e Sérgio Antonio Fabris, Porto Alegre, 1999, p. 85 e 86).
Atualmente é da atribuição da Secretaria da Receita Federal a expedição da CND de obra, cabendo salientar que a contribuição correspondente está sujeita a prazo decadencial, nos termos do que prevê o art. 173 do Código tributário nacional: «O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos (…)». O termo a quo do fluxo do prazo decadencial indica-se no inciso I desse mesmo art. 173, contando-se «do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado».
Deve considerar-se uma questão controversa acerca dessa decadência: a quem compete reconhecê-la?
Decerto será possível postular o reconhecimento da caducidade perante a Receita Federal, como, por igual, nada estorva que o interessado possa discuti-la em juízo, tanto em via de ação, quanto mediante defesa. Mas o problema está em saber se o registrador poderá, ele próprio, reconhecê-la no âmbito de suas atribuições.
Consideremos, ilustrativamente, o que consta das Normas de serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo. Em seu capítulo XX −relativo ao registro de imóveis−, o item 120 enuncia: «As averbações serão feitas a requerimento dos interessados, com firma reconhecida, instruído com documento comprobatório fornecido pela autoridade competente, dispensado o reconhecimento de firma no requerimento quando for assinado perante o Registrador ou seu preposto» (é interessante observar que o § 1º do art. 246 da Lei 6.015 assim prevê: «As averbações a que se referem os itens 4 e 5 do inciso II do art. 167 serão as feitas a requerimento dos interessados, com firma reconhecida, instruído com documento dos interessados, com firma reconhecida, instruído com documento comprobatório fornecido pela autoridade competente»; a novidade da regulativa paulista está em admitir expressamente a dispensa da observância do reconhecimento de firma, quando o pedido de averbação «for assinado perante o Registrador ou seu preposto»; trata-se de novidade heterodoxa, porque implicita não só a fides cognitionis como, ainda, outra e mais estrita das fés notariais, uma e outra de que o registrador é classicamente privado).
Na sequência, enunciam as referidas Normas: «As construções, ampliações, reformas e demolições serão averbadas quando comprovadas por habite-se, certificado de conclusão de obra ou documento equivalente expedido pela prefeitura, acompanhado da certidão negativa de débitos de contribuições previdenciárias relativas a obra de construção civil expedida pela Receita Federal do Brasil, ressalvado o disposto na Lei nº 13.865, de 08 de agosto de 2019» (item 120.3 do cap. XX; essa referida Lei 13.865 dispõe: «É dispensado o habite-se expedido pela prefeitura municipal para a averbação de construção residencial urbana unifamiliar de um só pavimento finalizada há mais de 5 (cinco) anos em área ocupada predominantemente por população de baixa renda, inclusive para o fim de registro ou averbação decorrente de financiamento à moradia»).
Pois bem, algumas administrações municipais somente emitem o alvará de utilização («habite-se», carta de habitação) à vista da CND correspondente, de maneira que, sendo assim, não se porá, para o registrador, o problema do controle da decadência.
De outro modo, entretanto, quando o «habite-se» seja expedido sem exigência da exibição da CND perante a administração do município, tem espaço o tema da aferição da decadência pelo registrador.
É controversa de todo a possibilidade de competir ao registrador, no processo de qualificação, aferir a apontada decadência. Se se entender cabível, impõe-se ao oficial a verificação de dois fatos: a data do início da obra e a data de seu término. Esses fatos terão de confirmar-se por meio de documento (título acessório do principal, que, nesse caso, será o «habite-se»).
Quanto à data do início da construção, podem considerar-se, entre outros, o alvará municipal correspondente e a prova da inscrição no Cadastro Nacional de Obras e o recolhimento de contribuições sociais correspondentes.
Quanto ao termo final da obra, conforme a variedade das circunstâncias, é possível confirmá-lo, entre outros modos, pela exibição de «habite-se» ou por meio de comprovante da satisfação de Imposto predial e territorial urbano, apurando-se nesse documento a área da construção.
Parece possível, juridicamente, que esse controle se realize pelo oficial do registro de imóveis. Mas é, de toda a sorte, uma questão controversa.
Prosseguiremos.