“É imprescindível aprofundarmos o estudo “clássico” do Direito Notarial e Registral”

“É imprescindível aprofundarmos o estudo “clássico” do Direito Notarial e Registral”

Professora na Universidade de Coimbra/PT e presidente da CENoR, a acadêmica detentora da cadeira nº 8 drª Mónica Jardim fala sobre a Academia Paranaense de Direito Notarial e Registral e sobre a atividade extrajudicial portuguesa e brasileira 

Atualmente professora auxiliar da Faculdade de Direito de Coimbra, onde é regente da segunda turma da disciplina Direitos das Coisas e da disciplina de Direito dos Registos e do Notariado, e no Mestrado Científico, da disciplina de Direito Imobiliário e Registral, a professora drª Mónica Jardim é bacharel pela faculdade de Direito de Coimbra, mestre e doutora em Direito Civil pela mesma faculdade.

Membro, por reconhecido mérito científico, do Conselho do Notariado de Portugal desde 2009, também é coordenadora da equipe que elaborou o projeto do Código do Registro Predial e o projeto do Código do Notariado de Cabo Verde que foram aprovados e se encontram em vigor (2009/2010).

Além disso, é fundadora do Centro de Estudos Notariais e Registais (CENoR) e presidente do mesmo desde 2013. Também é acadêmica da Academia Brasileira de Direito Registral Imobiliário e da Academia Notarial Brasileira.

Acadêmica detentora da 8ª Cadeira na Academia Paranaense de Direito Notarial e Registral, a professora concedeu entrevista à Associação dos Notários e Registradores do Estado do Paraná (Anoreg/PR) para falar sobre os serviços prestados pelos cartórios extrajudiciais e a importância da Academia para estudos do direito notarial e registral. Confira abaixo a entrevista na íntegra. 

Anoreg/PR - Como avalia a importância do trabalho promovido pelos cartórios extrajudiciais em prol da população e da desjudicialização?

Dra. Mònica Jardim - A minha avaliação do trabalho desenvolvido pelos cartórios extrajudiciais em prol da população é, indubitavelmente, positiva. Os cartórios extrajudiciais desempenham um papel antilitigioso e profilático no tráfico jurídico, ou, por outra via, geram segurança jurídica preventiva. Segurança preventiva essa que, apesar de ser algo diáfana, é imprescindível.

Passo a explicitar o acabado de referir: A cidade de Amesterdão está toda ela assentada em grandes vigas de madeira enterradas a grande profundidade no terreno pantanoso que caracteriza a região. Sem estas vigas invisíveis a cidade afundar-se-ia na lama. E, no entanto, a generalidade das pessoas que por ela passeia ou que nela vive não têm real consciência da importância vital de tais vigas.

O mesmo acontece com o bem segurança jurídica preventiva! Enquanto existe não se dá conta dela! Mas, se faltasse todos notariam, pois a sociedade afundar-se-ia na lama da insegurança e o progresso económico desapareceria como por magia!

Quanto à tarefa desenvolvida pelos cartórios em matéria de desjudicialização ou, rigorosamente, em matéria de desjudiciarização, na minha perspectiva, tem-se revelado de enorme importância, não só para as partes interessadas, mas para toda a sociedade. O movimento de desjudiciarização, como se sabe, visa subtrair à atividade (ou à actividade exclusiva) dos tribunais determinadas áreas de decisão, em conformidade com o princípio segundo o qual o judiciário só deve, em regra, intervir havendo litígio ou quando a actividade extrajudicial não consegue satisfazer adequadamente o interesse público (é o princípio da subsidiariedade). Ora, está provado que os responsáveis pelos cartórios extrajudiciais, que sempre atuaram com vista a evitar o litígio, satisfazem o interesse público e são os juristas mais capacitados para intervir na ausência de litígio. 

Anoreg/PR - Durante a pandemia os cartórios passaram por uma grande revolução tecnológica efetivando grande parte dos atos de forma online. Como avalia a presença tecnologia na prestação de serviços dos cartórios?

Dra. Mònica Jardim - Na minha óptica, a presença tecnológica na prestação de serviços dos cartórios é uma inevitabilidade e uma mais valia. Vivemos no tempo do mundo digital, e, portanto, qualquer instituição que presta serviços há-de comunicar com os destinatários de seus serviços – Estado, mercado, sociedade - através de uma plataforma digital.

As permanentes transformações da “sociedade da informação” impõem um novo paradigma técnico-económico.  E a atividade notarial e registral não estão, não podem estar, alheias a essas transformações.

Mas, sendo certo que as novas tecnologias têm de ser consideradas como um elemento importante e indispensável, também é inquestionável que devem ser havidas, sempre, como meio coadjuvante, instrumental ou auxiliar.

De facto, nas palavras de Walter Ceneviva "a modernidade não é um valor em si mesmo, quando se trate de funções tabeliãs ou registrais. Vale, se acompanhada de segurança"

Em suma, a actividade notarial e registral pode e deve utilizar as novas tecnologias como meio para ampliar as vias de acessos e o fluxo de informação, eliminar a distância física ou geográfica, acelerar os processos, etc., mas, “apenas”, para continuar a gerar segurança jurídica preventiva.

Anoreg/PR - Como professora da Faculdade de Direito de Coimbra, qual a relação faz entre a educação e a atividade dos serviços extrajudiciais?

Dra. Mònica Jardim - Como professora universitária tenho o cuidado de dar a conhecer aos meus alunos de Direitos Reais a função da actividade dos cartórios e a sua importância (social, económica, política, etc.), bem como de ensinar aos alunos da disciplina de Direito dos Registros e do Notariado, além do mais, as pedras mestras em que assenta o sistema notarial e registral.

Os futuros juristas, seja qual for a profissão pela qual venham a optar, devem ter uma visão global do sistema jurídico e, assim sendo, naturalmente, devem conhecer da actividade desenvolvida pelos cartórios extrajudiciais.

Acresce que, nas pós-graduações levo sempre os formandos a cartórios, para que conheçam a realidade da sua actuação e convido notários e registradores para darem parte das aulas.

Por fim, enquanto professora e presidente do Centro de Estudos Notarias e Registais da Faculdade de Direito de Coimbra (CENoR) tento assegurar uma formação contínua a notários e registradores, ao mesmo tempo que enriqueço os meus conhecimentos através das suas experiências.

Anoreg/PR - Qual sua visão sobre o futuro da atuação extrajudicial na prestação dos serviços?

Dra. Mònica Jardim - Creio que os notários e os registradores se irão adaptar a todas as exigências da sociedade, tal como sempre o fizeram ao longo da história e que, assim, continuarão a gerar segurança e a satisfazer as necessidades da sociedade, do mercado e do Estado.

Anoreg/PR - Como detentora da Cadeira nº 08 na Academia Paranaense de Direito Notarial e Registral, como avalia a iniciativa da Anoreg/PR com a criação da Academia?

Dra. Mònica Jardim - Obviamente, considero que a iniciativa é de aplaudir.

Eu fiquei orgulhosa e muito honrada com o convite que me foi dirigido.

É imprescindível aprofundarmos o estudo “clássico” do Direito Notarial e Registral e auxiliarmos os cartórios a darem resposta aos novos desafios com os quais, cada vez mais, se veem confrontados.

Anoreg/PR - Como avalia o papel prestado pelos notários e registradores no Brasil? Há alguma relação com Portugal?

Dra. Mònica Jardim - Tal como flui de todo o exposto, a minha avaliação do trabalho prestado pelos notários e registradores brasileiros, portugueses e congêneres é a melhor possível.

A actuação dos notários e registradores no Brasil é idêntica à desenvolvida pelos colegas portugueses.

Cabe apenas ressalvar que em matéria de desjudiciarização, em Portugal a grande responsabilidade foi atribuída aos registradores, enquanto no Brasil, com excepções (como a da usucapião extrajudicial), o foi aos notários.

Por fim, recordo que, em Portugal, os notários são, tal como no Brasil, oficiais públicos, mas os registradores são funcionários públicos. No entanto, o facto de os registradores serem funcionarizados não tolhe em nada o seu poder de decidir em conformidade com a lei e de forma independente, tal como os colegas brasileiros.

Anoreg/PR - Quais as principais diferenças do extrajudicial português e brasileiro?

Dra. Mònica Jardim - Para além do exposto na resposta dada à pergunta 7, cumpre salientar que o Estado português, desde 2009, atribui aos registradores a generalidade das competências que sempre competiram aos notários.

Na verdade, os notários portugueses, de modo insólito, desde 2009, partilham as suas competências com registradores, advogados, solicitadores e câmaras de comércio e indústria.

Actualmente, da exclusiva competência dos notários são apenas os testamentos, as procurações irrevogáveis e as certificações de documentos constantes do seu arquivo.

 

Fonte: Assessoria de Comunicação – Anoreg/PR