Geralmente, essa prática ocorre após o divórcio ou separação dos pais, quando o fim do relacionamento foi marcado por atritos
Manipular psicologicamente uma criança, com o intuito de afastá-la de um dos seus genitores, pode ser configurado como crime de Alienação Parental, de acordo com a Lei 12.318/2020. Geralmente, essa prática ocorre após o divórcio ou separação dos pais, quando o fim do relacionamento foi marcado por atritos.
Um dos casos recentes sobre esse tema envolve a viúva, os filhos e parentes do apresentador de televisão Gugu Liberato, que morreu em novembro de 2019, após sofrer um acidente doméstico. A viúva Rose Miriam di Matteo afirmou à imprensa, recentemente, que um dos seus filhos sofre de alienação parental pela irmã de Gugu, o que estaria dificultando o reconhecimento de Rose na Justiça como esposa do apresentador, afastando a mulher do direito de acesso à partilha do patrimônio do apresentador.
O caso ganhou visibilidade, por envolver pessoas famosas, mas no dia a dia a alienação parental gera estragos em muitas famílias.
Em entrevista ao Diário do Aço, a advogada ipatinguense Marysol Tostes, especializada em Direito de Família e Sucessões, explica que a alienação parental ocorre quando um genitor (pai ou mãe) interfere na formação do vínculo afetivo entre a criança e o outro genitor, que geralmente não convive diretamente com o filho. “Isso cria situações de trauma, que acabam acarretando no afastamento da criança com um dos genitores. Também existem graus de alienação parental, que vão depender da forma que o alienador tiver praticado. Vale destacar que a alienação parental pode ser feita tanto pelo genitor ou pelos avôs, namorado/a ou outra pessoa que seja responsável pela criança”, afirmou.
Penalidades
Conforme a advogada, a prática de alienação parental é crime, de acordo com a Lei 12.318/2020, e não existe a possibilidade de o alienador ser preso, mas pode sofrer algumas penalidades. “Quem praticar a alienação parental está sujeito à inversão automática de guarda da criança, pagamento de multa e advertência. E para apurar se houve essa prática, a lei predetermina que seja realizado um estudo biopsicossocial, com entrevistas, feitas por psicólogos e assistentes sociais. Inclusive, pode ser requerido uma perícia psiquiátrica, dependendo da situação”, ressaltou.
Falsas memórias
Marysol Tostes também afirma que existem alguns casos em que há a implementação de falsas memórias na mente da criança, inclusive, acusações de abuso sexual contra um dos genitores. “A partir de casos como esse é que vira uma questão criminal. E quando a comprovação não ocorre de fato, pode gerar um processo por denúncia falsa contra o alienador”, destacou a advogada.
Família patriarcal
Devido a questões culturais, a advogada Marysol revela que há mais casos de mães sendo acusadas de alienação parental. “Temos uma cultura de família patriarcal, na qual o homem é mantenedor da casa e a mulher fica como gestora da família. Com isso, as mulheres tendem a acreditar que têm melhores condições afetivas e emocionais para cuidar do filho. Ouço muitas vezes a seguinte frase: ‘Meu filho está passando mal esses dias, então não posso deixar ele com o pai’. Muitas acreditam que o pai não vai saber cuidar do filho e isso é uma prática sutil de alienação parental, que é evitar o contato com outro genitor. E geralmente essa prática é mais comum entre as mulheres”.
Falta de informações
Para a advogada, é preciso analisar detalhadamente cada caso, porque é um assunto muito grave. “Às vezes, algumas atitudes nem são classificadas como alienação parental, podendo ser resolvidas com uma conversa entre os genitores. Mas essa reclamação é recorrente, até mesmo pela falta de informação entre as pessoas. Em nossa comarca, há trabalhos com direitos sistêmicos, núcleo de mediação e também tem um projeto que é voltado para palestras, com o objetivo de combater esse tipo de conduta e conscientizar as pessoas acerca desse tema”, contou.
Projetos no Congresso
Conforme Marysol, atualmente, há quatro projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional, dos quais, um é para revogar e outros para modificar a Lei de Alienação Parental. “Os que são contra, alegam que a lei é misógina, sexista ou pedófila, porque acaba acobertando esse tipo de conduta, que, às vezes, pode ser verdadeira. Mas a realidade é a seguinte. Em determinados casos, o sistema judiciário não tem profissionais necessários para atender certa demanda e averiguar os casos com a devida importância. E isso é um grande problema. Eu acredito que os projetos que tendem a modificar a lei são de grande valia, mas sou contra a sua revogação, porque seria um retrocesso dentro do Direito de Família”, opinou.
Conscientização
Na avaliação da advogada é preciso conscientizar as mulheres que os homens também têm a responsabilidade e o direito de cuidar dos filhos tanto quanto elas, assim como é preciso conscientizar os homens de que apenas pagar pensão não é ser pai. “É necessário pensar acerca da importância da afetividade dos pais com seus filhos. Além disso, é importante que os tribunais tentem implementar metodologias que sejam mais eficazes e eficientes na apuração desses casos, porque a Lei de Alienação Parental visa a proteção da criança, já que essa prática traz traumas ao menor de idade, que às vezes são irreversíveis”, pontuou.
Impactos negativos causados pela alienação parental
O psicólogo clínico Mauro Rezende, que é especialista em Terapia Cognitiva e mestre em Neurociência, afirma em entrevista ao Diário do Aço que a Síndrome da Alienação Parental (SAP) apresenta uma série de impactos negativos sobre o desenvolvimento infantil. “Com o processo de separação, as crianças são colocadas em uma condição de disputa, na qual o filho será obrigado a ‘escolher’ um dos pais e ir visitar o outro. Na SAP, a criança pode apresentar sentimentos de tristeza, raiva e sensação constante de apreensão sobre o que pode ou não falar, fazer ou pedir”, detalhou.
Mauro Rezende acrescenta que as crianças vítimas de alienação parental podem apresentar alterações de comportamento, tendo um perfil mais violento, mais questionador e com choro frequente. “Esses comportamentos externalizantes ficam mais fáceis de identificar. No entanto, chamamos a atenção para os mais sutis, nos quais a criança fica mais isolada, fala pouco, esconde automutilações ou o uso de substâncias ilícitas ou ideias de autoextermínio”.
Conforme o psicólogo, a maior gravidade é quando a criança demora para pedir ajuda, pois pode ocorrer de ficar em silêncio por muito tempo, e sofrer por dentro um conflito de emoções e pensamentos. “Muitas não se sentem à vontade para compartilhar tudo isso. Tem muitas que dizem se sentir desconfortáveis em dizer até mesmo que gostou do tempo que passou com o outro familiar, com risco de desagradar alguma das partes. Relatam ainda que se sentiram culpadas por gostas de ambas as famílias. Portanto, os pais precisam observar bem os filhos e conversar com eles. Se houver alguma dificuldade. Os genitores podem buscar ajuda profissional”, concluiu.
Fonte: Diário do Aço