Dando sequência à nossa rápida visita à história do notariado, detenhamo-nos a considerar um tanto o que foi a produção documentária entre os hebreus.
Como se sabe o nome «hebreu» tem Heber por antecessor epônimo, Heber que foi tetraneto de Noé e bisneto de Sem; todavia, realmente, o povo hebreu tem por origem Abrão (depois Abraão), que deixa a Caldéia −ele nasceu e vivia na cidade de Ur− partindo, em palavras de S.Paulo, na Epístola aos hebreus (11, 8), sem saber aonde ia −exivit, nesciens quo iret. Chegou ele, com seus familiares e relativamente grande caravana, à terra de Canaã.
Se bem não se possa dizer que os primeiros hebreus fossem propriamente nômades, é fato que não durou muito sua primeira estadia em Canaã, porque premido o povo pela fome, decidiu Abraão descer ao Egito. Acostumou-se esse povo a recolher do campo −com a agricultura e a pecuária− o necessário para o sustento da vida material. Eram os hebreus, sobretudo, agricultores e pastores, mas, a despeito da consequente mais simples organização de sua vida sócio-política, eles necessitavam da publicidade jurídica.
Dessa publicidade dá notícia o Velho Testamento, p.ex., já com um contrato imobiliário celebrado por Abraão, que adquiriu do hitita Efrón a cova de Macpelá, na qual se enterrou o corpo de Sara, mulher de Abraão. Tratou-se de uma compra e venda, e como não havia ainda notários entre os israelitas e os heteus, o negócio processou-se às portas da cidade, perante o povo hitita (Gên. 23, 7 et sqq.). Nessa mesma cova sepultaram-se os corpos de Isac, Rebeca, Lia e Jacó, além do próprio corpo de Abraão.
Também Jacó, quis adquirir um campo em frente a Siquém, na terra de Canaã, onde fez construir um altar (Gên., 33, 19), o que por igual se deu às portas da cidade. Também foi às portas de uma cidade que Booz, com o testemunho de dez anciãos, comprou o campo de Elimelec (Ruth, 4, 1-11). A cerimônia pública dessa compra envolvia um ato inicial de renúncia do direito aquisitivo pelo parente mais próximo de Noemi, víuva de Elimelec, para permitir o casamento levirático entre Booz e Ruth (nora já viúva de Noemi); a validade da renúncia vem confirmada pelo ato do renunciante descalçar-se e oferecer seu sapato a Booz. O levirato ou matrimônio de obrigação consistia, no fundamental, em que, morrendo um homem sem deixar sucessor, seu irmão estivesse obrigado a casar-se com a viúva.
Havia um ato, entretanto, que se exigia fosse escrito. Era o de repúdio (Deut., 24, 1), pelo qual, tendo um homem se casado com uma mulher na qual logo descobre algo vergonhoso, pode entregar-lhe um «libelo de repúdio», por meio do qual, documento escrito, ela poderá casar-se novamente. Ou seja, esse ato de repúdio configurava um divórcio vincular, e sua relevância para a vida comunitária exigia, segundo S.Agostinho, que o libelo fosse elaborado por um funcionário público (cit. por João Mendes Jr.).
Mas, se num primeiro momento e salvo o caso do libelo de repúdio, os hebreus provavam seus contratos por meio de testemunhas, já adiante, em tempos posteriores, tem-se notícia de contratos escritos: assim, o do matrimônio de Tobias e Raguel (Tob. 7, 16) e o relativo a um crédito de Tobias pai, sendo devedor um certo Gabelo, a quem o primeiro emprestara dez talentos de prata (Tob. 4, 21).
Outro episódio em que se vê a exigência do documento está relatado no Livro de Jeremias (33, 9-13), e diz respeito à compra do terreno de Ananot. Elaborada em duas vias a escritura, diz o texto bíblico, foi uma selada «segundo lei e costume», sendo na presença de testemunhas entregue a Baruc, quem, por sua vez, a encerrou −assim também sua duplicata− em um tubo de barro, para que ambas se conservassem «muitos dias».
Nos anos 600 a.C., sabe-se já que existia entre os hebreus «uma espécie de notários» (João Mendes Jr.), alguns deles, «doutores da lei» (dotados de caráter sacerdotal, com a função de transcrever e interpretar as Sagradas Escrituras), outros, «escribas do povo», incumbidos de atender às necessidades correntias.