Visitando a história do notariado (para não perder o rumo de seu futuro) - (parte 1)

Os meses que nos aproximam do final de cada ano −é quase um mistério isto− são sempre uma ocasião em que frequentemente nos dedicamos a um dado «balanço da vida», um balanço da vida pessoal −o exame de nossos traumas biográficos recentes e antigos, exercitando a consciência consequente e fomentando a retificação: a vida inteira de cada um de nós é um caminho de conversão− e um balanço da vida social e política, mais exatamente o exame de nossa convivência, da contribuição que damos ou negamos para o bem comum.

Pois é no exercício dessa consciencialização que cabe perguntar-nos, a cada um de nós que vivemos, de um ou de outro jeito, na condição de profissionais ou de meros estudantes dos saberes, que coisa fizemos, fazemos e faremos quanto à instituição das notas.

Parece termos, à partida, de definir-nos por uma escolha fundamental entre, de um lado, a objetividade histórica das notas −é dizer, seu itinerário multissecular− e, de outro lado, a arbitrária subjetividade do poder, ou seja, a exuberância da imaginação criadora, de que se queixava Ingenieros. Assim, ou bem ficamos com a trajetória que solidou uma essência notarial −o genótipo da instituição− e que reconhecemos pela fisionomia do notariado de sempre −o fenótipo institucional−, ou devemos resignar-nos com as caprichosas variações idealistas. Em resumo, ou ficamos com a tradição, ou nos conformamos com as utopias.

Ainda agora vêm à cena, para reformar o Código civil brasileiro −que é de 2002−, propostas que beneficiam os instrumentos particulares em desfavor da escritura notarial. Comecemos por ver que o Código, como ficou dito, é de 2002, e já se fala −passados pouco mais de 20 anos de sua vigência− em reformá-lo, indício de uma inclinação à instabilidade legislativa. Há algo mais: devemos indagar-nos se há algum limite às inovações legísticas, ou se, ao revés, a lei é só o produto de uma vontade bastante a impô-la, sem que esteja restrita a algum parâmetro extralegal.

Deixemos esse inquérito à consideração de cada um dos que seguem estas minhas explanações.

Eu, de minha parte, gostaria de aproveitar estes dois meses de fim de ano para visitar, a breve trecho que o seja, a história do notariado. Ver o que é essa trajetória histórica da qual recolhi, eu era ainda mal saído da infância, o interesse pela vida de Petraco, que, além de ser o pai de Petrarca, era um tabelião florentino das notas. Ali nasceu o amor que ainda agora, ultrapassado de há muito o meridiano de minha vida, nutro honradamente pela instituição das notas.

Pretende-se aqui espiar os tempos seminais das notas, a Antiguidade mais remota, até chegar ao ponto que mais interessa: o da gestação próxima do notariado latino. E avançar por algumas concisas considerações acerca de sua romanicidade, hispanidade, lusitanidade e brasilidade.

Na menos benigna das hipóteses, poderemos saber o que abandonamos para aventurar-nos (ou desventurar-nos) nos terrenos da utopia.