Sobre a ciência notarial e a ciência registral (parte 28)

Des. Ricardo Dip

Ao afirmar-se a natureza prudencial do juízo de qualificação notarial implica-se que esse juízo −que a doutrina clássica designa «consciência»− é o elemento conclusivo de um discurso prático.

Esta implicação resulta do fato de a prudência ser uma virtude do entendimento prático. A prudência, com efeito, tem por sujeito (i.e., o lugar em que se hospeda) o entendimento, mas, a exemplo da arte, reside nesse entendimento para atender a seu fim operativo e não teórico.

O discurso −ou seja, o raciocínio, a argumentação− que se molda ao entendimento prático é, como ficou dito, o discurso prático, que se articula quase da mesma sorte que o discurso teórico ou especulativo, que é o discurso próprio da razão teórica.

Diz-se que se articula quase da mesma sorte que o discurso especulativo, porque se apresenta qual se nele se espelhasse, com duas diferenças. A primeira, é que o princípio primeiro do discurso teórico é um princípio especulativo, ordinariamente o de não contradição, ao passo em que, já o temos dito, o primeiro princípio do discurso prático é o primeiro da sindérese: agir o bem, evitar o mal (bonum faciendum, malum vitandum), ou, na especialização jurídica: iustum faciendum, iniustum vitandum.

A segunda diferença diz respeito à certeza obtida com a conclusão discursiva. Ao caráter categórico da conclusão do discurso especulativo aparta-se o discurso prático, cuja conclusão é dialética (no sentido aristotélico: é dizer, provável).

Assim, é próprio de todo juízo da consciência (enquanto último juízo da razão prática) uma dada maior ou menor dialeticidade −ou probabilidade.

Isto integra essencialmente o estatuto dos discursos práticos. Daí que no julgamento de casos −e este gênero de julgamento abrange o juízo de qualificação notarial e registral− não seja possível mais do que conclusões mais ou menos prováveis.

Não se pode exigir, pois, de um juízo de qualificação jurídica elaborado pelo notário e pelo registrador um gênero de certeza que não é próprio dos discursos práticos.

Essa dialeticidade conclusiva nada tem a ver de modo necessário com subjetivismo. Pode ocorrer que um discurso prático seja pautado por juízos subjetivistas, como pode sê-lo por juízos realistas. Disso resulta que não se mostra acertada a afirmação de que o juízo da consciência seja «subjetivista».