Des. Ricardo Dip
Excursionando ainda no largo capítulo relativo às ciências notarial e registral, temos tratado de esclarecer o conceito de «consciência» que se encontra de maneira indispensável na afirmação da independência jurídica do notário e do registrador público, independência esta que, além de atributo de algum modo conatural à atividade dos notários e registradores, vem expressamente abonada, entre nós, na Lei 8.935, de 1994.
Reitere-se que essa incursão no tema da «consciência» trata ainda de apreciar uma recente imputação de que, ao conceituar a qualificação registral −lá em 1991, na cidade de Maceió, em palestra proferida no XVIII Encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil−, teria eu adotado um suposto de caráter subjetivista e relativista.
Na explanação anterior (parte 19 do capítulo "Sobre a ciência notarial e a ciência registral"), depois de aludir ao caráter não unívoco do termo «consciência» e referir de maneira breve sua etimologia, busquei distinguir −com apoio na doutrina clássica acerca do tema− a noção de consciência em geral e a de consciência moral, observando que era desta que se tratava ao definir-se, como se fez em 1991, a qualificação registral.
À luz da mencionada doutrina clássica discriminam-se acepções impróprias do termo «consciência», distinguindo-se, entre seus significados próprios −que não exclui o de «consciência psicológica»− o da «consciência moral», que é, resumo, um conhecimento ordenado a uma operação −applicatio scientiæ ad opus−, ou, em outras palavras, uma ciência aplicada ao que agimos: applicatio scientiæ ad quæ agimus.
Se, pela primeira noção própria de «consciência», a saber, de «consciência psicológica», temos um testemunho de nossas próprias ações, de nossas percepções sensoriais, dos dados de nossa memória, de nossa imaginação, esse testemunho −ou consciência psicológica− é apenas um suposto necessário para que se efetive a consciência moral, que antecede ou sucede nossos atos (ou ainda pode com eles ser simultânea). Se a consciência psicológica reconhece nossas ações, já a consciência moral aprecia e julga acerca de sua retidão.
Qual é a natureza da consciência moral? Uma de três coisas ela há de ser: ou é ato, ou é hábito, ou é potência. Tratar-se-ia de uma potência da alma? Ou seria, diversamente, uma qualidade de uma potência, nesta hipótese equivalendo ao hábito dos primeiros princípios da razão prática? Ou, enfim, somente um ato, um juízo?
Comecemos por observar que a consciência não é uma potência da alma. Tem-se alguma vez hipostasiado a consciência, como se fora uma energia ou força (vis) emanada da alma humana. Mas a consciência, como já ficou dito, é a aplicação de uma ciência a uma coisa −applicatio scientia ad aliquid (cf. S.th., I, 79, 13), e isto não corresponde à ideia de «potência». Tampouco, vistas em suas funções, pode admitir-se que a consciência seja uma potência, pois seja (i) como testemunho de nossos atos (consciência psicológica), seja (ii) como apreciação anterior desses nossos atos (consciência moral antecedente), seja, enfim, (iii) como julgamos se nossos atos foram (ou estão sendo) retos ou não (consciência moral consequente e concomitante), o que se verifica é que a consciência é atual e não potencial (ainda uma vez, S.th., I, 79, 13).
Será, então, a consciência um hábito, isto é, uma qualidade de uma das potências da alma humana?
A examinar isto dedicaremos nossa próxima explanação desta série.