Des. Ricardo Dip
Terminamos nossa explanação anterior desta série relativa às ciências notarial e registral −ou seja, sua parte 17−, observando que a independência jurídica dos notários corresponde a sua própria consciência, sempre tendo por pressuposto, diante do princípio da legalidade notarial, um fundamento de ordem objetiva (leis, costumes, natureza das coisas).
Vem a propósito, contudo, referir uma recente crítica que foi dirigida ao conceito de qualificação registral que, ao começo da década de 90 do século passado, tive ocasião de enunciar nos termos que seguem: "o juízo prudencial, positivo ou negativo, da potência de um título em ordem a sua inscrição predial, importando no império de seu registro ou de sua irregistração" (cf. Registro de imóveis (Vários estudos), Porto Alegre, Irib – Safe, 2005, p. 168).
Embora esse conceito esteja particularmente voltado à qualificação registral, pode, por sua essência, moldar-se à qualificação notarial, tendo em comum os registros e o notariado a predominante inclinação jurídico-prudencial de seu saber prático-prático (vejam-se, a propósito, brevitatis studio, Juan Vallet de Goytisolo e Antonio Rodríguez Adrados).
Essa mencionada crítica, em resumo, impugnou de subjetivismo e relativismo a concepção dessa natureza prudencial da qualificação registrária.
Avista-se, de logo, contudo, que esta impugnação, tendo por objeto o juízo prudencial conclusivo do discurso de qualificação (porque esse juízo importa em império), termina por impugnar, no fim e ao cabo, a própria argumentação prática, seu consequente, que é, secundum quid, o juízo da consciência, para não dizer que se objeta a virtude mesma da prudência.
Parecerá que a crítica resulte de adotar uma noção de «consciência», que, entretanto, não é a que, por se tratar aqui do elemento consequente do discurso prudencial, só poderia ser a consciência moral. Nisto aparenta encontrar-se o lapso da crítica, ao não se dar conta −ou, dando-se conta, desconsiderar− o conceito e a realidade da consciência moral, realidade e conceito moldados por seu sentido clássico.
Ninguém é obrigado, por certo, a admitir uma dada acepção de consciência, mas o que, sim, parece obrigatório, é, ao destinar-se uma crítica a entendimento alheio, respeitar o significado dos termos que se adotam na matéria criticada.
Trataremos, pois, um tanto, na próxima explanação, do conceito de consciência moral, a ver se merece a pecha de subjetivismo e relativismo.