Sobre a ciência notarial e a ciência registral (parte 14)

Des. Ricardo Dip

 

              O princípio da imediatidade (ou da imediação) do notário −também denominado princípio da presença notarial− pode sintetizar-se em que o tabelião das notas deve conhecer por si próprio −à maneira de uma testemunha, disse Antonio Rodríguez Adrados (sicut es testis)− o fato, ato ou negócio objeto de sua atuação de profissional do direito. Mas não se trata, saliente-se, de mero conhecimento pessoal, é dizer: direto, físico, de fatos, atos e negócios, senão que de um conhecimento que, além de ser pessoal, deve ser de coisas presentes e não de eventos pretéritos. Trata-se, pois, de uma dúplice presencialidade: a de presença (subjetiva) e a da presença (objetiva).

Entre os matizes do notariado latino −aqui estimada a especificação românica, depois a hispânica, adiante a brasileira−, já se fez referência a que a estrutura do notariado especificado no Brasil é quantitativamente mais participada do que se dá em outros notariados (p.ex., no argentino e no espanhol; para o caso brasileiro, veja-se o que dispõe o § 1º do art. 20 da Lei 8.935, de 18-11-1994, nomeadamente em sua parte final, ao indicar-se que o número de colaboradores ou «prepostos» −assim os chama essa lei− é matéria entregue ao "critério de cada notário"). Tem-se falado em estrutura cartorial, embora o adjetivo não seja de todo apropriado, para significar que, em rigor, não há limite comum para o número de colaboradores de cada notário. Pois bem, isto acarreta um problema, porque a presença direta e imediata do tabelião não se molda à atribuição das atividades a esses colaboradores −salvo as preparatórias e as meramente de expedição documental−; não se vê como evitar a contradição entre, de um lado, a exigência de uma presença direta e imediata, e, de outro lado, a realidade de uma atividade ministerial que, no fim e ao cabo, põe à mostra não haver presença do notário; disse com razão Rodríguez Adrados que a ideia de uma presença mediata (ministerial) do tabelião não é direta, nem presença.

Por mais que não se recuse o acerto, secundum quid, da gráfica síntese de Luis Paulo Aliende Ribeiro, segundo quem a delegação notarial e registral não se delega, o fato é que a própria referida Lei brasileira 8.935 prevê a atribuição ministerial das atividades notariais (assim, lê-se no § 3º de seu art. 20: " Os escreventes poderão praticar somente os atos que o notário ou o oficial de registro autorizar", e, mais ainda, nos §§ 4º e 5º do mesmo art. 20: "Os substitutos poderão, simultaneamente com o notário ou o oficial de registro, praticar todos os atos que lhe sejam próprios exceto, nos tabelionatos de notas, lavrar testamentos"; e: "Dentre os substitutos, um deles será designado pelo notário ou oficial de registro para responder pelo respectivo serviço nas ausências e nos impedimentos do titular"). Enfim, pode admitir-se, com Aliende Ribeiro, que as atividades notariais não possam ser alienadas a terceiros, mas não se pode negar que o exercício da delegação notarial é, no Brasil, suscetível de delegação.

O remédio para atenuar este desvio da imediatidade notarial está em atender ao caráter individual de cada cliente. Neste sentido, merecem meditar-se estas palavras do grande tabelião e civilista das Espanhas que foi Juan Vallet de Goytisolo:

"(…) esta intención individualizada está a nuestro alcance, y es deber nuestro no descuidarla. Para nosotros, en el ejercicio de nuestra función, nunca debe existir «masa», sino personas con su propia identidad y con sus peculiares problemas; y hemos de atenderles individualizadamente, al menos para asegurarnos de que no tienen especiales problemas que debemos resolverles o prevenir" (in Manuales de metodología jurídica, Madri, ed. Fundación Cultural del Notariado, 2004, tomo III, p. 240).

Prosseguiremos.