Des. Ricardo Dip
Dando sequência, nesta série «Claves notariais e registrais», que tem o apoio da Academia Paranaense de Direito Notarial e Registral, bem como da Associação dos Notários e Registradores do Estado do Paraná, repita-se: dando sequência à aventura de acercar-se do conceito de «instituição notarial e registral», tornemos a visitar o que, a propósito, pensava Maurice Hauriou, a quem, com inteira justiça, pode atribuir-se o título de pontífice nesta matéria.
Hauriou deixou dito que uma instituição é uma ideia de obra ou de empreendimento −une idée d'œuvre ou d'entreprise− que se realiza e dura juridicamente num meio social −qui se realise et dure juridiquement dans un milieu social. Essa realização e duração da ideia institucional na sociedade faz com que as instituições só possam caracterizar-se com a comunhão do grupo social interessado em realizar essa ideia institucional.
Nesse sentido, os órgãos de potestade e as regras procedimentais apenas, em princípio, devem tratar de dirigir, para coordenar e, quando o caso, estimular, as manifestações de comunhão dos membros do grupo social.
Isso equivale a dizer que, segundo Hauriou, não são o poder político e suas regras jurídicas os detentores do poder criador das instituições. Nascem estas, com variado modo, do próprio meio social.
Neste passo, e antes mesmo de considerar a divisão proposta por Hauriou das instituições-pessoas e das instituições-coisas, parece bem fazer duas rápidas observações.
A primeira é a de que, como é isto muito frequente na linguagem do direito, também o termo «instituição» (cuja ambiguidade já se apontou) pode imputar-se ao aparato externo, secundário e acessório da idée d'œuvre ou d'entreprise, tal esta referência de José Manuel Pérez-Prendas (Instituciones medievales, ed. Síntesis, Madri, 2011), para quem uma instituição se concretiza em uma estrutura ou quadro administrativo, ou em um serviço geral, para o atendimento de pautas sociais e jurídicas. Veja-se, pois, que, em vez de identificar a instituição com essas pautas, nosso autor as remete ao aparato formal e exterior de sua preceituação, garantia ou mesmo limitação.
A segunda observação a fazer é que, sobretudo em nossos tempos, a idée d'œuvre ou d'entreprise tem sido, de algum modo, influenciada (para não dizer produzida) a partir de fontes condutoras do grupo social. É a isso que se tem frequentemente designado com a expressão «engenharia social», com que as potestades políticas −mais diretamente, sem excluir influências anteriores− estimulam (e, em dados quadros, chegam mesmo a impor) o assentimento dos membros do grupo social. Muitos estudos se têm dedicado, a propósito, sobre as práticas da «espiral do silêncio» e da «janela de Overton», e a substituição do conceito e objetivo da «verdade» pela noção e busca do «interesse».
Não se poderá dizer, propriamente, que esse aparato externo (estrutura, quadro administrativo, normas jurídicas) seja o criador da instituição, que continua a ser matéria moldada ao meio social em que emerge. Todavia, esse aparato poderá influenciar −ou, como se disse, até impor− o consentimento do grupo.
Prosseguiremos.