Fontes do direito notarial e registral (vigésima-quarta parte)

Des. Ricardo Dip

         Assim o antecipamos na exposição anterior, trataremos de algumas questões pontuais acerca do costume.

         A primeira dessas questões diz respeito à especialização do costume em geral em costume jurídico, e, para isso, seguiremos as trilhas de Joaquín Costa, em seu La vida del derecho -Ensayo sobre el derecho consuetudinario, que compulso pela edição argentina da Heliasta (Buenos Aires, 1976).

         A Joaquín Costa (1846-1911), pensador espanhol integrante do movimento regeneracionista −que tinha por objetivo restaurar a Espanha após o chamado «desastre de 98» (ou seja, a derrota militar na guerra com o Estados Unidos e a perda consequente dos territórios de ultramar)−, deve-se importante contribuição à doutrina jurídica. Ele, que foi notário, escreveu Reorganización del notariado, del Registro de la Propiedad y de la Administración de Justicia, e dedicou mais de uma obra ao tema dos «costumes»: assim seu primeiro livro, publicado em 1881, Introducción a un tratado de política textualmente de los refraneros, romanceros y gestas de la Península.

         Diz nosso autor que o costume em geral é apreendido como forma, lei ou maneira constante de realizar diretamente a vida psíquica do homem. E, nesse sentido, pode abarcar a integralidade da vida humana, ou seja, todos os atos e funções dos homens, assim, por exemplo, a linguagem, a leitura, o sono, a digestão, etc.

         O próprio sentido comum ensina que os costumes podem ser bons, outras vezes, maus; algumas vezes, sua bondade ou maldade é intrínseca −Joaquín Costa fala em bondade «sustancial, eterna e inmutable», que uma piedosa razão comum, diz ele, «coloca en Dios»; essa bondade ou maldade é absoluta, vale dizer que não depende de intenções ou de circunstâncias. Outras vezes, o costume ostenta uma bondade relativa, histórica, dinâmica, mutável, como são, por exemplo, os modais de cortesia, as formas de falar e de escrever, etc.

         Essas qualidades gerais, que concernem a todas as espécies de costumes (individuais, sociais, profanos, religiosos, etc.), também se encontram nos costumes jurídicos.

         Mas o costume jurídico se especializa em face do costume em geral pela nota de ser algo que regula as relações livres entre os homens (essa é sua diferença específica). Todos os costumes são modos de conduta revelados direta e espontaneamente, e o direito, ele também, possui raízes em modos de atuar diretos e espontâneos; seu objeto é que se diferencia, porque o costume jurídico é sempre de relação humana e empolga a liberdade de agir ou não agir, e de agir de um modo ou de outro.

         Há quem negue, com rigor, que se distingam, de um lado, os usos, e, de outro, os costumes. Todavia, deparamo-nos frequentemente com a expressão «usos e costumes». Se quisermos diferenciar esses termos, ainda que à custa de alguma impropriedade, talvez possamos adotar a fórmula declinada pelas Siete Partidas do Rei Alfonso X: do tempo nasce o uso; do uso, o costume; do costume, o fuero... Por isso, o costume, ao fim, é o próprio fuero, ou seja, o direito não escrito. De que se extrai: caberia o uso sem costume, mas não o costume sem o uso.

         Teríamos ainda de, ao menos, indicar duas outras noções diferenciais: a de hábito e a de praxe.

         O hábito −e ainda uma vez não se pense em rigor nesta distinção− é tido como a facilidade da repetição de condutas. Já a praxe é a conduta repetida de cuja ilicitude −ou, quando menos, de cuja não obrigatoriedade− se tem plena advertência.          Fixemos o ponto que nos interessa: o costume jurídico é o modo reiterado e espontâneo de agir na relação livre entre os homens.