Des. Ricardo Dip
Conforme vimos na explanação imediatamente anterior dessa nossa série “Claves notariais” −e dando aqui sequência ao tema das fontes do direito notarial e do direito registral−, a Corregedoria Nacional de Justiça editou um provimento para reunir sua ampla regulativa sobre as notas e os registros públicos. A despeito de seu expresso caráter de consolidação −assim indicado na exposição de motivos que o acompanha− designou-se essa reunião das regras com a palavra código: Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça - Foro Extrajudicial (CNN/ CN/CNJ-Extra), ou, de modo simplificado, Código Nacional de Normas (cf., p.ex., o inc. II do art. 440-X) ou até mesmo Código de Normas (v.g., par. único do art. 440-AA).
Sem embargo desse nome −código−, as regras em tela têm o proclamado caráter de uma consolidação, e convém distinguir ambos esses conceitos, além de os discriminar relativamente à ideia de compilação.
A exposição de motivos do Código de Nacional do Extrajudicial manifestou o escopo de eliminar a dispersão normativa referente às atividades extrajudiciais, por ser essa dispersão «potencialmente nociva à segurança jurídica», tanto por faltar-lhe articulação sistêmica, quanto por permitir a sobrevivência aparente de normas revogadas de modo implícito. Acrescentou-se ainda o expresso objetivo de, a despeito de «ajustes redacionais», a intenção de evitar «inovações normativas».
Essas características são as idealmente próprias para uma consolidação. Com efeito, numa perspectiva ideal, ao passo em que os códigos albergam inovações normativas, já as consolidações apenas juntam normas dispersas, sem as inovar. Diversamente, entretanto, do que se passa com as compilações −que somente juntam os textos dos atos normativos preexistentes−, as consolidações podem modificar a redação desses atos: por elas, ensinou o grande jurista português José de Oliveira Ascensão, «os próprios textos são alterados; o que passa para a consolidação não são as fórmulas, são as regras, e estas podem receber nova formulação» (in O direito -Introdução e teoria geral, ed. Verbo, 4.ed., Lisboa, 1987, p. 296).
Acontece que a ordenação consolidativa dos atos normativos preexistentes −é dizer, sua incorporação ordenada em um ato formal e expressivamente unitário−, se bem que, em linha de princípio, aparte modificações que representem inovações fundamentais numa normativa prévia, calha que a recondução dessa normativa anterior dispersa a uma unidade expressiva formal e sistêmica termina, frequentemente, por implicar (ao menos) de fato algumas alterações. A só circunstância típica de admitirem-se, no CNE, «ajustes redacionais» −ou seja, novas formulações literais− é propícia à atração de possíveis novas compreensões de significados normativos a partir dos novos textos. Nova dicta, nova possibilia acta.
Para mais, o proclamado e muito prudente e louvável intento de elaborar uma consolidação não impediu que novas regras se juntassem acerca do processo extrajudicial de adjudicação compulsória de imóveis e sobre o Agente Regulador dos Operadores Nacionais dos Registros Públicos.
Como ficou dito noutra parte, «pode ter-se a esperança de que o Código Nacional de Normas fomente o impulso parlamentar para a edição de um código dos registros −ou talvez, o que parece melhor, códigos específicos para as diversas classes registrais e para os tabelionatos de notas e de protestos. A hora presente −em que pese ao fato de a hiperinflação normativa conspirar, muita vez, para a desconstrução da reta ordem política −já o assinalara Tácito: corruptissima respublica, plurimæ leges−, parece ser o tempo adequado para em umas tantas codificações, notarial e registral, afirmar e garantir a integridade jurídico-política das atividades do tabelião e do registrador, vedando, por um lado, os excessos privatísticos que os reduzam a um falso e mero papel empresarial, mas, também, por outro lado, afastando os exageros com que os tabeliães e registradores se têm funcionarizado, com o desprestígio correspondente junto à comunidade que os instituiu e ainda os reclama como custódios imparciais de interesses tanto públicos, quanto privados».
Aos códigos caberia a missão de restabelecer as bases −nisto aprofundando trilhas que já vêm sendo de algum modo percorridas− de uma adequada organização corporativa, para fortalecer os ofícios e a defesa institucional, pondo empenho, por meio de regulações autônomas, na consecução do bem comum profissional dos tabeliães e dos registradores, e, adiante, do mais amplo bem comum social e político.
Prosseguiremos.