Des. Ricardo Dip
Prosseguimos no capítulo sobre as fontes do direito notarial e registral, examinando, neste passo, a relação entre lei e costume, sobretudo quando estejam em conflito.
Não estará por inteiro incorreto afirmar ser voz corrente nos tempos em que vivemos constituir uma verdade indiscutível a de que a lei sempre vale mais do que os costumes.
Não ponho em dúvida a factualidade desse tópico jurídico em nossos dias. Mas essa afirmação não me parece, realmente, mais do que uma tese que, à míngua de sua problematização (é dizer, de silenciar-se seu questionamento), foi ocupando espaço na doutrina e nos julgados dos tribunais.
Pois bem: esse tópico nem sempre se acolheu na vida jurídica. Já, por exemplo e por primeiro, para que o costume tivesse valor preferencial na compreensão das leis; já, mais incisivamente, de fato, para afirmar a prevalência do costume contra a lei.
Vejamos algum pequeno recorte da história das situações em que se reconhece a antinomia dessas duas fontes: lei e costume.
Na primeira situação −a de preferência do costume para compreender as leis−, lê-se no Digesto esta passagem de Paulo: «Se se trata da interpretação da lei, cabe investigar, primeiro, de que direito havia usado antes a cidade em semelhantes casos, porque o costume é o melhor intérprete das leis −optima enim est legum interpres consuetudo».
Na segunda situação, é assertiva de Juliano, também no Digesto: «(…) está perfeitissimamente advertido que as leis se derroguem não só pelo voto do legislador, mas também pelo tácito consentimento de todos mediante o desuso».
Ao começo da Alta Idade Média, S.Isidoro de Sevilha proclamaria que «a lei deve estar em consonância com os costumes», porque os costumes é, por seu uso comum, uma «prática sancionada pela antiguidade».
Uma posição temperada, já no século XII, foi a de S. Raimundo de Peñafort (ou Penyafort), que, para julgar sobre a prevalência do costume ou da lei, considerava tanto a racionalidade e a generalidade do costume, de modo que, fosse o costume geral e racional, revogaria a lei., quanto o confronto entre a generalidade e a especialidade.
Veja-se o que, a propósito das regras indicadas por S.Raimundo de Peñafort, escreveu Juan Vallet de Goytisolo −a cujas lições estamos continuamente apegados neste capítulo:
«(…) las reglas expresadas por Sant Raimundo de Penyafort estimaban: a) La norma racional prevalecía siempre sobre la irracional. Pue, ésta, al no ser racional tampoco era estimada derecho. b) Siendo racionales ambas, la especial prevalecía, en su ámbito propio, sobre la general −criterio que se aplicaba tanto en caso de concurrir una ley o una costumbre general con otra particular. c) En igualdad de racionalidad y generalidad, la costumbre derogaba a la ley, y no era derogada por ella» (Metodología de las leyes, p. 523). Na próxima explanação, dedicaremos algumas linhas acerca do tema do costume jurídico no pensamento de S.Tomás de Aquino.