Des. Ricardo Dip
Iniciamos na semana anterior um capítulo relativo às fontes do direito notarial e registral, tema que, enquanto tratado de maneira específica, pode estimar-se novo e, por isso, suscetível, pela novidade, de maiores riscos.
Não é só, porém e por lástima, à conta de ser de algum modo novo que a matéria das fontes do direito notarial e registral apresenta dificuldades e perigos. Ela já e também ostenta perigos e dificuldades antecedentes, naquilo que diz respeito à própria consideração genérica das «fontes do direito», em que, de par com o caráter equívoco do termo «fonte», acrescenta-se sua incindível vinculação ao «direito», tal que, como fez ver Castanheira Neves, uma teoria das fontes exige uma teoria do direito, tanto como uma teoria do direito reclama uma teoria das fontes.
Pois bem, mãos à obra: que se há de entender por «fontes do direito»?
À partida, destaque-se um fato que parece de todo relevante: nossa Constituição política brasileira de 1988, o Código civil de 2002 e até mesmo a Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto-lei 4.657, de 4-9-1942) não usam a expressão «fonte do direito».
Dois significados prontamente podem apontar-se: (i) o de fonte como origem ou causa do direito, e (ii) o de fonte como «expressão visível e concreta do direito» (Julio Cueto Rua). A primeira acepção é a que corresponde à ideia de fonte material do direito −ou seja, a de que provém o direito−, ao passo em que a segunda aponta a noção de fonte formal do direito, vale dizer, aquilo que exterioriza ou ilumina o direito, o que manifesta o direito.
Deixemos para depois o exame das causas (fontes materiais) do direito, e tratemos primeiro das fontes formais do direito, ou seja, de sua expressão efetiva, o que nos enseja considerar
(i) a divisão ou especificação dessas fontes,
(ii) dois de seus sentidos especiais: o de autoridade e o de potestade, e
(iii) sua acepção como fundamento de validade.
A noção de fonte formal do direito compreende, ainda, por outro aspecto, as fontes de cognição do direito (os lugares, documentos ou monumentos pelos quais conhecemos o direito) e as fontes produtivas do direito («os meios pelos quais as regras de conduta humana adquirem caráter jurídico, tornando-se objetivamente definidas e coercitivas» -Alexandre Corrêa e Gaetano Sciascia, Manual de direito romano, ed. Saraiva, São Paulo, 1953, vol. I, p. 21).
Aqui, como em tantas outras ocasiões, tomemos de empréstimo a doutrina de Juan Vallet, para classificar ou especializar as fontes formais do direito, elencando-as em
(i) a lei lato sensu emanada do poder soberano,
(ii) os costumes,
(iii) a jurisprudência pretoriana,
(iv) a doutrina ou jurisprudência doutrinária −é dizer, a opinião dos juristas−,
e (v) a opinião pública ou consciência coletiva (Estudios sobre fuentes del derecho y método jurídico, ed. Montecorvo, Madri, 1982, p. 156).
Atenda-se à circunstância de que esse rol, salvo quanto à inclusão da «consciência coletiva», é o que indicara Pothier no prefácio das Pandectas justinianas.
Observe-se que ao alistar como fonte formal do direito a «lei», em acepção lata, emanada do poder soberano, deve considerar-se o quanto dispõe o ordenamento jurídico de cada país e em cada tempo. É isso, num dado sentido, uma tautologia, mas, enfim, parece insuperável na construção da teoria das fontes jurídicas, ao ter-se em conta (Vallet) que a lei, sendo fonte do direito, é também uma fonte das leis; o costume, uma fonte dos costumes, etc.
Para o quadro brasileiro contemporâneo, é extenso o elenco dessas leis sensu lato, como se pode extrair, ainda que de modo parcial, do art. 59 da vigente Constituição nacional, que arrola por objeto do processo morfológico das leis
(i) as emendas à constituição (mas, note-se bem, a própria constituição é uma lei em sentido amplo);
(ii) as leis complementares;
(iii) as leis ordinárias;
(iv) as leis delegadas;
(v) as medidas provisórias;
(vi) os decretos legislativos;
(vii) as resoluções,
espécies às quais podem agregar-se provimentos e sentenças normativas.
Prosseguiremos.