Fontes do direito notarial e registral (primeira parte)

                                               Des. Ricardo Dip

         Há tempos venho eu adiando a tarefa −que avisto importante, mas complexa− de tratar das fontes do direito notarial e do direito registral.

         Alguém objetará que um bom livro de introdução ao estudo do direito poderia abreviar minhas ocupações com o tema e atenuar meu receio de enfrentá-lo. Abro, com efeito, um livro −muito bem escrito− que tenho ao alcance das mãos e nele confirmo o que sabia já de memória desde os tempos (hoje me parecem imemoriais) de meus bancos acadêmicos: lei, costume, doutrina e jurisprudência. Ponto e basta. Isso nos leva prontamente à admissão do elenco que se indicara, em 1748, por Pothier no prefácio das Pandectas de Justiniano.

         Pois é. Fora só isso, eu, ainda assim, temeria por minha sorte ao versar a matéria. Mas calha que não é só isso. Aqui me valho de uma referência impressionista e emblemática: Vallet de Goytisolo tem um livro −excelente como tudo o que escreveu− intitulado Metodología de las leyes. Foi publicado em 1991, pela Editorial Revista de Derecho Privado, de Madri. Note-se: Vallet trata nesse livro, tal se vê de seu título −Metodología de las leyes− de uma só das apontadas fontes do direito: a lei. Mas ele despendeu quase duas centenas de páginas para a discussão sobre as fontes das leis. Ou seja: cuidar da lei como fonte exigiu deste notável civilista cuidar da fonte dessa fonte. O mesmo, parece, deve também  considerar-se em relação ao costume, à doutrina e à jurisprudência. Vale dizer: há todo um larguíssimo caminho pela frente.

         Há algo mais. Castanheira Neves, nas primeiras linhas do segundo volume de seu Digesta, observou, com razão, que o problema das «fontes do direito» implica já «o próprio problema do direito em si mesmo», o que, a despeito de uma relativa autonomia de tratamento, põe à mostra uma «incindível conexão», porque −diz o autor− «a concepção do direito determina sempre uma certa teoria das fontes», ao tempo mesmo em que «o direito terá também de compreender-se em função do modo como se constitua e manifeste a sua normatividade».

         Vamos lá. Nossa tarefa é proporcionada ao tipo de explanação mais singela a que se propõe sempre esta série "Claves notariais e registrais". Tratemos de preservar a brevidade possível, sem, no entanto, ladear algumas questões que devem, com efeito, examinar-se com adequação.

         A primeira dessas questões diz respeito à própria noção de «fonte».

         «Fonte» é manancial de água que brota da terra, nascente, procedência, origem, raiz, aparato industrial de onde sai água, influência; é também o local de onde provém (ou onde está) a água. Há nesse conjunto significações próprio e acepções metafóricas.

         Manifesta, a propósito, é a metáfora que há na expressão «fonte do direito» (e atribui-se a Cícero a primazia de seu uso) não é privilégio da linguagem jurídica. Na terminologia da Igreja, por exemplo, fala-se em fons baptismi para significar tanto a água usada no sacramento batismal, quanto o lugar onde ele se ministra.

         Já não sendo bastante que tenhamos de lidar, pois, com a noção variada de «fonte», ainda teremos de considerar sua conexão com a ideia de «direito».

         Na próxima explanação será esse o tema.

         Que se entende por «fonte do direito»?