Consciência do Notário e Consciência do Registrador (quarta parte)

Como vimos, a função da consciência moral é a de ser uma das fontes ou instâncias da moralidade das condutas. Mas uma instância próxima, uma fonte subjetiva, vale dizer, um juízo que resulta de premissas mais remotas e objetivas.

Os tempos atuais põem à mostra uma excessividade na consideração do papel da consciência −já se falou, com muito senso de observação, estar na moda uma “inflação da consciência”−, conferindo-lhe uma autonomia absoluta, como se a consciência fosse a única fonte ou instância da moralidade. É evidente o subjetivismo e, com ele, o relativismo que resultam dessa exacerbação da consciência.

Sendo, no entanto, a consciência o juízo conclusivo de um discurso da razão prática −o silogismo prático−, suas premissas são objetivas, transcendendo do só sujeito em que se forma a consciência. Essas premissas são recolhidas dos primeiros princípios da sindérese −resumidos, como já vimos, no enunciado bonum faciendum, malum vitandum (agir o bem, evitar o mal)−, dos saberes da ciência moral e da apreensão da realidade singular, com suas circunstâncias.

Assim, para apreciar, ainda que de maneira breve, o tema da formação da consciência  −e abstraindo, neste passo, o exame dessa matéria num plano infinitamente mais elevado, como é o próprio da teologia, no qual plano haveríamos de atender à onipresença de Deus−, partiremos, entretanto, de um momento logo posterior, qual o do conhecimento de nós próprios.

Abstraída, pois, a consideração da presença de Deus (presença cuja meditação certamente beneficia os cuidados para evitar o mal, fomentando o exercício de boas ações; lembremo-nos aqui desta sentença de Paul Bourget: “Il faut vivre comme on pense, sinon tôt ou tard on finit par penser comme on a vécu“ −ou numa versão popular: “quem não vive como pensa, acaba pensando como vive”), mas, de novo: abstraindo a consideração da onipresença de Deus, podemos já partir do conhecimento de nós próprios para examinar nossa consciência: ou seja, cada um de nós tenha consciência de sua própria consciência, evitando, prudentemente, as fantasias que ora nos fazem míopes otimistas, ora nos desalentam, fantasias com que nos seduz a imaginação −que com muito acerto S.Teresa de Ávila dizia ser “la loca de la casa”−, produzindo o efeito de deixar-nos tíbios, de amortecer nossas energias, nossos esforços para fazermo-nos melhores a cada dia.

Permitam-me ler-lhes um pequeno trecho de uma das crônicas –“Quadros de uma exposição”− escritas por um dos maiores literatos brasileiros, Gustavo Corção (1896-1978):

Nasci segundo. Ao longo da vida esse fato se traduzirá em oscilações vertiginosas que às vezes me levam ao delírio de me julgar o primeiríssimo, e outras ao abatimento de me julgar o último dos últimos, porque, nascido segundo, só nos momentos de equilíbrio, que são raros, vejo verdadeiramente que nem uma coisa nem outra: segundo.” (in Conversa e, sol menor, 1980).

Exatamente: nem uma coisa, nem outra. É preciso afastar decididamente as ilusões que nos levam, em palavras sábias de Adolphe Tanquerey, ora ao otimismo presunçoso, ora ao desânimo, estados ambos que nos impedem a correção de deficiências pessoais, porque não as conhecemos ou as conhecemos somente de modo parcial e precário. O mesmo Tanquerey advertiu com muita razão: “Si on ne se connaît pas soi-même, il est moralement impossible de se perfectionner”.

Há, pois, necessidade de que cada um se conheça a si próprio, que tenha cuidadosa consciência (psicológica) de sua consciência (moral).  Prosseguiremos neste ponto.