Um modo analógico de considerar a consciência moral é o de pensá-la como se fora uma luz projetada sobre nossas condutas, mas uma luz que distingue o que há de bom e o que há de mal nessas condutas. Assim, para o adequado desempenho da consciência moral cabe, portanto, saber que devemos confrontar nossas condutas com uma regra objetiva, uma regra referencial que, transcendendo nossa própria consciência, mede nossas ações. Tenhamos a coragem de reconhecer que nossas más condutas são fruto de nosso egoísmo, do orgulho com que cada um de nós se ama a si próprio de modo desordenado, tal que não queremos outra norma que a emanada de nossa própria desordenação.
A referência a uma norma objetiva e que nos é transcendente não significa, entretanto, desconhecer que devamos sempre sindicar o que realmente somos, compreendendo, de logo, quais são nossas qualidades −todos, todos temos algumas, e seria de fato um erro, o da falsa humildade, que menosprezássemos nossas boas aptidões e inclinações; devemos, isto sim, reconhecê-las e cultivá-las, aprimorando-as e fazendo bom uso delas; não há vaidade em um notário reconhecer-se hábil em conciliar pessoas, em fomentar a concórdia; não há vaidade em um registrador admitir-se talentoso na solução de espinhosos problemas de registro.
Mas, ao lado das qualidades, temos todos algumas deficiências, nossas misérias pessoais. Sabemo-nos todos inclinados ao mal: video meliora, proboque, deteriora sequor, disse a personagem Medéia, na célebre obra Metamorfoses de Ovídio (43 a.C.- 17 ou 18 d.C.); e lembremo-nos também aqui da conhecida passagem de S.Paulo, na Epístola aos Romanos (7,19): “não faço o bem que quero, mas o mal que não quero”. Assim, temos de examinarmo-nos com lealdade, como quem olha num espelho fidelíssimo, e tratar de retificar, com paciência, mas com coragem, cada um de nossos defeitos −é uma tarefa de toda a vida.
Um caminho discreto para esse conhecimento de nós próprios está na trilha da consideração de nossas faculdades superiores −a inteligência e a vontade− e da parte sensitiva de nossa alma, o que compreende os sentidos externos, os sentidos internos e os apetites sensitivos (irascível e concupiscível).
Procedamos de modo prático; perguntemo-nos −e esperemos que nossa resposta seja sincera− se nossa vontade submete os sentidos externos ou, diversamente, se ela se escraviza por eles (p.ex., consideremos o sentido da visão: enfrentamos e vencemos a concupiscência dos olhos, que nos inclina ao desejo desordenado −note-se bem: desordenado− de tudo quanto agrada a vista, a saber, o desejo desordenado do luxo, das riquezas, do dinheiro?). Quanto aos sentidos internos, dominamos os excessos de nossa imaginação? (Já o referimos: S.Teresa D’Ávila dizia que a imaginação era a “louca da casa”). Ou, ao revés, permanecemos embriagados em devaneios fantasiosos que nos afastam da realidade das coisas e da melhor observância de nossos deveres de estado? Ainda no âmbito dos sentidos internos, esforçamo-nos em vigiar nossa memória −para que a reminiscência não seja vã e promotora de estímulos para a repetição de erros? Empenhamo-nos em apurá-la, em dar-nos conta de que ela pode ser um poderoso instrumento para nosso progresso intelectual?
Prosseguiremos.