Consciência do Notário e Consciência do Registrador (décima-sétima parte)

EXCURSO AO TEMA DA CONSCIÊNCIA DO NOTÁRIO E DA CONSCIÊNCIA DO REGISTRADOR: A EDUCAÇÃO DOS CONCURSANTES (parte 1)

Tratemos agora, e como prometido, para encerrar nosso capítulo sobre a consciência do notário e do registrador público, daquilo que diz respeito à formação da consciência dos que almejam ser notários ou registradores; refiro-me aos estudantes, em particular aos que estudam para prestar os concursos destinados às atividades notariais e registrais.

Embora alguma parte dos concursantes já seja de profissionais do direito notarial e registral −aqueles que, sendo notários e registradores, buscam melhores postos nestas atividades−, outra parte é de pessoas que se preparam para essas profissões.

Numa e noutra dessas situações, é interessante observar que os estudantes e concursantes que anelam a aprovação nas provas para acederem a essas atividades −ou para nelas atingirem melhor situação− desenvolvem seus estudos, suposto que os levem a sério, dentro de um ambiente vital.

Este é o primeiro ponto que gostaria de considerar. Há nisto muito de observação introspectiva: se consideramos nosso próprio estado interior nos tempos em que nos dedicamos seriamente aos estudos, descobrimos um território muito particular, em que nossa vida de estudos parece destacada da vida em geral, como se fosse um lugar muito próprio, muito pessoal, muito particular. Esse resultado introspectivo pode até mesmo confirmar-se com um indício recolhido de uma observação agora extrospectiva: os concursantes parecem isolar-se com frequência, afastar-se dos ruídos do mundo, centrar-se nos meios para atingir seu desiderato.

Este ambiente vital é o de uma solidão construtiva. Se bem dele aproveitamos, beneficia-nos uma certa retração dos atrativos do mundo, e é nesse ambiente que deve encontrar-se e responder-se a primeira das indagações de todo concursante: pareço ter a inclinação natural para exercer as atividades a que me dirijo? Ou seja, em uma palavra: vocação: atendo a um chamado que se mostra à feição de minha natureza concreta? 

Peço licença para duas pequenas referências que vêm a calhar neste passo. Uma, que muito me impressionou e que sempre me volta à memória, é o de uma passagem bíblica, que está no Livro I dos Reis (ou I de Samuel, 3,14), que relata o chamado três vezes mal compreendido e só na quarta vez acertado por Samuel. Nem sempre é simples compreender nossa vocação. Às vezes, ela é plural −somos chamados a muitas coisas−, outras, ela é dinâmica, e o que ontem não nos parecia chamar, hoje nos convoca.

A outra referência, que sempre me pareceu trágica, é a das vocações frustradas, a dos que, por exemplo, no plano profissional, são levados quantas vezes a assumir funções para as quais não têm inclinação.

Por isto, devemos perguntar-nos com seriedade: a profissão a que me dirijo é a que me atrai ou será ela uma fonte de desgosto na vida? Não se pode ignorar, é verdade, que, em tantas ocasiões, somos constrangidos pelas necessidades vitais a assumir profissões que não parecem de nossa vocação. Mas, quando e enquanto seja possível a quem se propõe participar de um concurso para ingresso em dadas atividades profissionais, convém avaliar com tranquilidade se essas atividades são as que se moldam à nossa personalidade, às nossas faculdades, e, em contrapartida, se nós, uma vez nelas nos encontremos, estamos dispostos ao sacrifício de algumas de nossas inclinações para, assim, atender às exigências da profissão escolhida.

Nuna nos esqueçamos disto: o trabalho é uma parte importante de nossa vida, dele necessitamos com efeito. Mas é ele uma parte e não o todo de nossa vida. Ele é um meio e não um fim. Devemos sempre ter presente que o trabalho deve subsidiar nosso fim, e, de novo, ponhamo-nos a discernir como relacioná-lo com a profissão que elegemos.

 

Prosseguiremos.