EXCURSO AO TEMA DA CONSCIÊNCIA DO NOTÁRIO E DA CONSCIÊNCIA DO REGISTRADOR: A EDUCAÇÃO DOS CONCURSANTES (parte 3)
Continuaremos, com esta pequena explanação, o tema da gradual educação dos estudantes, ou, para atender à peculiaridade deste nosso capítulo, os concursantes que se destinam às atividades das notas e dos registros públicos.
Gostaria de começar esta exposição −que visa a indicar os degraus a subir até alcançarmos a formação dos hábitos da ciência e, se possível, da sabedoria− referindo algo que seja de algum modo consolador: dois dos maiores pensadores de todos os tempos, senão mesmo os dois maiores, tiveram suas dificuldades de aprendizado: S.Tomás de Aquino só sabia duas línguas, o latim e o dialeto napolitano, e a S.Agostinho chegou até a confessar que tomava lambadas de palmatória porque não conseguia aprender a língua grega. Enfim, como disse Joseph Pearce, “só podemos beijar o céu depois de aprender a ajoelhar”.
Hugo de São Vítor, a quem temos indicado como ponto fundamental de referência, ensinou, em De modo discendi et meditandi, que "três coisas são necessárias ao estudante: a natureza, o exercício e a disciplina" −natura, exercitum, disciplina.
É um dado da realidade que os homens, iguais em essência −ou, se assim se preferir, iguais em sua natureza racional−, são diversos em seus acidentes, e há quem tenha mais propensão, por sua natureza concreta, singular, a compreender e a conservar no intelecto o que compreendeu. Por isto, o primeiro e necessário suposto para o aprendizado é a natureza mesma do estudante.
O segundo requisito é o exercício, pelo qual o estudante −em nosso caso, o concursante às atividades notariais e registrais− deve cultivar, disse Hugo de São Vítor, "a tendência natural ao trabalho diligente" (cf. De modo discendi et meditandi, incluído, com seu texto original latino e em tradução vernacular, no volume I da Coleção de Artes Liberais do Instituto Hugo de São Vítor, de Porto Alegre). Exercitar, bem o conceituou Clístenes Hafner Fernandes (em valioso estudo constante desse mesmo volume I da referida Coleção), é "exercer várias e várias vezes", e o estudante −ou seja, aqui, de modo especial, o concursante− necessita, diz o mesmo Clístenes Fernandes, exercitar a alma, operar a imaginação, a inteligência e a vontade, isto é: exercer várias e várias vezes a diligência de aprender: "a educação é este exercício". O aforismo latino bem o indicou: iteratio −vel exercitatio− mater studiorum est.
O terceiro suposto para o êxito nos estudos é a disciplina, que, no dizer de Hugo de São Vítor, agrega "os costumes à ciência". Em resumo, estudar torna-se um hábito. Algo dificilmente móvel.
Com os olhos postos numa perfeição futura −ou seja, nos bem educados hábitos intelectuais da ciência e da sabedoria−, há como que quatro (ou cinco) degraus para nosso progresso. São eles, a leitura (ou doutrina), a meditação, a oração, a operação, e o fruto consumado desse progresso, que é a contemplação. Esses degraus correspondem ao que já havia enunciado, no século VI, S. Bento de Núrsia, na que se denominou célebre regula benedicti, destinada à vida monástica: (i) lectio, (ii) cogitatio, (iii) studium, (iv) oratio, (vi) contemplatio (in Regula, c. XLVIII).
Por meio da leitura, inteligimos, compreendemos; pela meditação, temos o conselho; pela oração, o pedido; pela operação, a busca; pela contemplação, o encontro da verdade (Hugo de São Vítor, Tratado dos três dias, incluído em Princípios fundamentais de pedagogia, Foz do Iguaçu, ed. Associação Centro Hugo de São Vítor, 2ª ed., 2019).
Algo trataremos, na próxima exposição, acerca da leitura. Mas, por agora, deixemos dito com Réginald Garrigou-Lagrange, que, se queremos obter bons frutos das leituras, é “ler atentamente, e não devorar os livros; é preciso aprofundar-se bem naquilo que se lê”.