Trataremos nesta exposição −ainda relativa ao tema da causa− da divisão que se pode considerar a mais relevante dentre as muitas possíveis classificações do conceito de causa: fala-se, por exemplo, em causa exemplar, causa deficiente, causa direta, causa indireta, causa próxima, causa remota, causa emanente, causa particular, causa perfectiva, causa dispositiva, causa absoluta, causa relativa, causa necessária, causa primeira, causa segunda, causa recíproca, causa transcendente, causa imanente, causa atual, causa potencial, causa da mesma ordem, causa do mesmo gênero, causa per se, causa per accidens… …et reliqua.
Aqui vamos conformar-nos com a divisão que parece ser a mais importante quanto à noção e à realidade de «causa», acolhendo-nos nas lições advindas já da filosofia de Aristóteles e confirmadas ao largo dos séculos.
Recolhamo-nos na mesma pedagogia clássica, retomando a ideia de uma escultura. Suponhamos a Afrodite de Cnido, que se diz moldada por Praxiteles (séc. IV a.C.) segundo a figura de Musarete de Tespia (a “Sapito”). Pois bem, essa estátua, esculpida por Praxiteles, com o auxílio de alguns instrumentos (martelo, cinzel) sobre um bloco de mármore, tomou forma na figura física tida por exemplar −a de Musarete−, e, tanto que ultimada, a estátua foi oferecida em homenagem ao povo de Cnido, que foi uma antiga cidade grega situada na Anatólia (ou Ásia menor).
Pois bem. De que matéria se compôs essa escultura? De mármore. Este é um seu princípio intrínseco, está presente na escultura concluída, é com esse mármore que está feita a realidade da Afrodite de Cnido. mas esse mármore não é a estátua, mas uma causa dessa estátua. Sua causa material.
Prossigamos: qual a forma que se deu ao bloco de mármore, tal que foi ele determinado a ser não um piso de um salão ou uma coluna grega, mas uma escultura singular? Deu-se a esse mármore a forma que correspondia à figura de Musarete de Téspia. Essa forma é um princípio intrínseco dessa escultura, é algo que está presente na obra concluída. É seu princípio determinante. Foi essa a causa −ou diferença específica− que tornou realidade o belo dessa estátua, aquilo que agrada aos olhos (pulchra sunt quæ visa placent). Graças a essa forma, o bloco de mármore fez-se coisa distinta de um pilar, de um degrau de uma escada; essa forma não é a escultura, mas é um de seus princípios constitutivos, intrínseco, determinante, é sua causa formal. E como essa causa formal teve por exemplo a figura de Musarete de Téspia, é possível dizer que essa figura foi a causa formal exemplar da Afrodite de Cnido.
Continuemos: quem transformou o bloco de mármore na belíssima escultura de Cnido? Foi Praxiteles, mas não sem o auxílio de alguns meios. Ele Praxiteles foi o agente principal que, tanto por suas próprias energias, quanto pelo uso de alguns instrumentos, pôde juntar a forma (causa formal) à matéria (causa material), e do mármore em estado bruto realizar a Afrodite de Cnido. Praxiteles deu causa a essa escultura, mas sob o modo de um princípio extrínseco, pois, concluída a estátua, ela, para existir, mais não dependia da presença dele. Praxiteles foi a causa eficiente principal dessa escultura, e o martelo, o cinzel, suas causas eficientes instumentais (meios usados pela causa eficiente principal).
Por derradeiro, perguntemo-nos não mais pelo que é a matéria e a forma da estátua, nem por quem e com que meios ela se fez… mas, isto sim, por quê ela se esculpiu? Ou seja, qual a finalidade a que se dirigiu Praxiteles, desde sua intenção inicial. Queria ele homenagear o povo de Cnido. E talvez, em conjunto, fazer a corte a Musarete. Note-se: esses fins foram os primeiros na intenção de Praxiteles, mas os últimos a executarem-se. Trata-se aí da causa final, princípio extrínseco −porque não está no efeito causado−, que, no entanto, norteia a ação da causa eficiente.
Concluiremos na próxima explanação.
Pronto: aí nos encontramos com a consagrada classificação das causas: intrínsecas (a material e a formal) e as extrínsecas (a eficiente −principal e instrumental− e a final).