Capacidade (conclusão)

Como ficou dito, o Código civil brasileiro de 2002 considera, em seus arts. 3º e 4º, a capacidade das pessoas (art. 1º) para adquirir direitos e deveres −ou assumi-los− de modo pessoal, por ato próprio; assim, num aspecto negativo, “são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos”, e, ainda que de maneira relativa, os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos, os ébrios habituais e os viciados em tóxico, os que, em virtude de causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade, e os pródigos (art. 4º).

Não é sempre que com essa perspectiva se usa o termo “capacidade”, conforme a variação nos segmentos da ordenação positiva. Assim, quando se fala em capacidade tributária não se compreende uma aptidão para adquirir direitos ou deveres por ato pessoal, próprio, mas, sim, a aptidão de ser credor na relação tributária. Diversamente, o termo capacidade ativa, no vigente direito eleitoral brasileiro, parece compreender o exercício pessoal do direito de voto (que se prevê também como dever): outrora, ao tempo do Código político de 1824, admitia-se o voto por procuração. Por igual, o conceito de capacidade trabalhista diz com a aptidão para o exercício pessoal dos atos de trabalho.

Já a ideia de capacidade notarial −que se refere, principalmente, à capacidade dos outorgantes (mas também se estende à dos representantes e de outros intervenientes nos atos notariais)− abrange uma série de noções específicas no gênero “capacidade”, observada a variação dos ordenamentos positivos: assim, pode falar-se em capacidade aquisitiva notarial, capacidade dispositiva notarial, capacidade dos estatutos (pessoal, real e formal), capacidade dos estados civis, das dignidades, dos cargos, etc. (cf., a propósito, Miguel Fernández Casado). Em resumo, pode até dizer-se que não há questão de capacidade que deixe de ter interesse para a atuação do notário.

No campo dos registros públicos, pode também falar-se em capacidade registral: p.ex., prevê a Lei 6.015 a particular capacidade de declaração do nascimento e de óbito perante o registro civil de pessoas naturais (arts. 52 e 79); ainda, a capacidade para pleitear a alteração do nome (“O interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome, desde que não prejudique os apelidos de família, averbando-se a alteração que será publicada pela imprensa” −art. 57; cf. também o § 8º do mesmo art. 57 sobre a capacidade dos enteados para averbar “o nome de família de seu padrasto ou de sua madrasta, desde que haja expressa concordância destes, sem prejuízo de seus apelidos de família”).

Quanto ao registro imobiliário, a mesma Lei 6.015 prevê ampla capacidade registral –“O registro e a averbação poderão ser provocados por qualquer pessoa, incumbindo-lhe as despesas respectivas“ (art. 217)−, o disponente em título gratuito, inclusive, como se lê no art. 218: “Nos atos a título gratuito, o registro pode também ser promovido pelo transferente, acompanhado da prova de aceitação do beneficiado”. Em hipóteses particulares, pode disputar-se acerca de alguma restrição a essa amplitude: p.ex., para o registro de bem de família, a Lei prevê: “o instituidor apresentará ao oficial do registro a escritura pública de instituição, para que mande publicá-la na imprensa local e, à falta, na da Capital do Estado ou do Território” (art. 261);  ou ainda quando se trate do que se pode designar de solicitante samaritano, conjectura pouco provável de ocorrer, qual a de alguém que, encontrando um título caído ao solo, resolve, por filantropia ou talvez caridade, pleitear seu registro no ofício imobiliário.