Quem pode instituir o bem de família voluntário (também dito facultativo) no direito brasileiro vigente?
O Código civil de 2002, em seu art. 1.711, prevê possa o bem de família constituir-se (i) pelos cônjuges, (ii) pela entidade familiar e (iii) por terceiro (art. 1.711 do Cód.civ.). Não seria inadequada a expressão dessa possibilidade de maneira mais simples, dizendo a lei que a legitimidade para instituir o bem de família caberia ao proprietário (ou comproprietários) do bem, sempre, de toda sorte, indicando-se o fim precípuo de moradia como destinação desse bem em favor de uma singular comunidade familiar.
A doutrina (por todos, brevitatis causa, cf. Milton Paulo de Carvalho Filho), examinando a hipótese de a própria entidade familiar instituir o bem de família, inclina-se a que possam constituí-lo pessoas solteiras, viúvas e chefes de família monoparental. Assinale-se ainda que o texto do art. 1.711 do Código, referindo-se, no plural, à figura dos cônjuges, não significa deva exigir-se a manifestação de vontade de ambos quando o bem objeto seja apenas do domínio exclusivo de um deles (vidē, a propósito, Eduardo Sócrates Castanheira Sarmento Filho). Quanto ao terceiro −i.e., pessoa que não integra a entidade familiar beneficiada−, pode ele instituir o bem de família contanto que haja a aceitação expressa dos favorecidos, como se lê no parágrafo único do art. 1.711 do mesmo Código: “O terceiro poderá igualmente instituir bem de família por testamento ou doação, dependendo a eficácia do ato da aceitação expressa de ambos os cônjuges beneficiados ou da entidade familiar beneficiada”. Averbe-se que é da data dessa referida aceitação que emergirá a eficácia institutiva do bem de família.
O bem de família voluntário possui um requisito objetivo no direito brasileiro em vigor: é o de que o imóvel dele objeto não tenha valor superior a um terço do patrimônio líquido do instituidor ao tempo da instituição; isto se lê no caput do já referido art. 1.711 do Código civil de 2002, que, depois de mencionar que pode constituir-se o bem de família sobre parte do patrimônio dos instituidores, exprime esta limitação: “desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição”.
Tem-se à vista que o valor desse terço patrimonial deva estimar-se, como consta de modo textual na lei, ao tempo da instituição do bem de família. Acontece que essa instituição demanda a prática do registro, não se dando ao tempo da elaboração notarial da escritura pública ou do testamento. Daí deriva a conclusão de que ao notário não caiba o controle da proporção valorativa do imóvel objeto da instituição do bem de família, ainda que, para atender ao exercício do cavere, deva o tabelião aconselhar os clientes na hipótese de prognosticar ofensa da lei a caracterizar-se, entretanto, só ao tempo do registro (neste mesmo sentido vai o entendimento de Vitor Kümpel-Carla Ferrari e de Eduardo Sarmento Filho).
Restaria saber se o registrador tem a tarefa de diligenciar valores de mercado ꟷse é que esses valores efetivamente possam apurar-se; é que o mundo oficial do registrador é o da tábula e do título (quod non est in tabula et in titulo, non est in mundo publicæ tabulæ), não o mundo exterior.