Bem de família (décima-primeira parte)

Já apreciada, ainda que com brevidade, a questão dos títulos institutivos do bem de família, tratemos agora, com símile brevidade, do tema relativo ao processo de registro do bem familiar.

          É ao cartório de registro de imóveis que detenha atribuições na circunscrição territorial do prédio objeto da pretensão de constituir-se em um bem de família que deve  apresentar-se a escritura notarial com a declaração do instituidor de que pretende destinar o imóvel para “domicílio de sua família”, declarando, ainda, que o deseja excluir da “execução por dívida” (art. 260 da Lei brasileira n. 6.015/1973: “A instituição do bem de família far-se-á por escritura pública, declarando o instituidor que determinado prédio se destina a domicílio de sua família e ficará isento de execução por dívida”). Com essa apresentação, que concretiza o princípio da instância ou rogação registral, tem início o processo do registro constitutivo do bem de família.

          Prenota-se, então, a escritura apresentada −vale dizer que o título deve ser inscrito ou lançado ela no livro n. 1 do ofício de registro de imóveis, o livro do protocolo)− e, em seguida, autua-se ela com os documentos que a acompanhem, numerando-se as folhas correspondentes, que o oficial rubricará. Passo imediato é o da publicação do pedido de registro “na imprensa local e, à falta, na da capital do Estado ou do Território” (deve agora entender-se: do Distrito Federal; vidē art. 261 da Lei 6.015, de 1973)).

          Saliente-se que o Código civil brasileiro, no caput de seu art. 1.715, prevê seja o bem de família  “isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição (…)”. Ora, essa instituição −ou constituição− supõe título e modo, quer dizer, escritura pública e inscrição imobiliária permanente, cabendo aqui considerar o que dispõe o art. 1.246 desse mesmo Código civil: “o registro é eficaz desde o momento em que se apresentar o título ao oficial do registro, e este o prenotar no protocolo”.

          Assim, não são dívidas posteriores à instituição ꟷvale por dizer, dívidas suscetíveis de ser afligidas pela constituição do bem de famíliaꟷ as que se contraiam no tempo entre a elaboração da escritura e sua prenotação no registro. Já era assim ao tempo do Código civil de 1916 (art. 534): “A transcrição datar-se-á do dia, em que se apresentar o título ao oficial do registro, a este o prenotar no protocolo”.

          Atenda-se agora a uma distinção: se uma dívida se instrumenta por escritura pública, a indicação de sua data abrange-se pela fé notarial, de sorte que sua anterioridade ou posterioridade em relação à prenotação do título relativo ao bem de família é de pronta verificação. Mas se, em vez disso, a dívida se instrumenta por título de origem particular, deve considerar-se datado o documento segundo as hipóteses inscritas no parágrafo único do art. 409 do atual Código de processo civil, a saber: (i) no dia em que foi registrado; (ii) desde a morte de algum dos signatários; (iii) a partir da impossibilidade física que sobreveio a qualquer dos signatários; (iv) de sua apresentação em repartição pública ou em juízo; (v) do ato ou do fato que estabeleça, de modo certo, a anterioridade da formação do documento. Carvalho Santos já se referira a esta questão, ensinando que os efeitos da via executória poderiam recair sobre o imóvel dado em bem de família, tanto que se provasse a precedência da dívida à instituição da garantia familiar, mas, disse ele, “quanto aos instrumentos particulares, a data é a da transcrição do registrado, aplicando-se ao caso o que dispõe o artigo 135” [do Cód.civ. de 1916: “O instrumento particular, feito e assinado, ou somente assinado por quem esteja na disposição e administração livre de seus bens, sendo subscrito por duas testemunhas, prova as obrigações convencionais de qualquer valor. Mas os seus efeitos, bem como os da cessão, não se operam, a respeito de terceiros (art. 1.067), antes de transcrito no registro público”].

          A discussão singular deságua na via jurisdicional, seja por meio de execução da dívida anterior sem isenção da penhora do bem de família, seja de maneira intercorrente ou em embargos de terceiro, impugnando-se, então, a anterioridade.