Axiônimo

Ausente embora de antigos dicionários de nossa língua portuguesa (p.ex., no de Fontinha e no de Laudelino Freire), a palavra «axiônimo» –que se alista no Volp (Vocabulário oficial da língua portuguesa)– já se elencara na parte que coube a Sílvio Edmundo Elia no excelente Dicionário gramatical publicado em 1953 (VV.AA. Rio de Janeiro, Porto Alegre, São Paulo: ed. Globo; consulto aqui n 3.ed., que é de 1962, p. 23). Ali se encontra referência de que o termo era arrolado já pela Academia de Ciências de Lisboa, e agora já se têm dicionarizados, entre nós, não apenas o substantivo «axiônimo», senão que o adjetivo «axionímico».

Esses vocábulos dizem-se provir do grego axio (acioj) + nomos (nomoj), com o sentido de ter ou dar valor ou preço segundo o costume, a opinião geral, o uso. Corresponde ao vernáculo axiônimo a ideia de designação por meio de formas (ou fórmulas) corteses de tratamento; ou seja, denominações com o uso de expressão reverencial, tanto com a categoria substantiva (exs.: Dom, Doutor, Senhor), quanto mediante locuções pronominais (Vossa Alteza, Vossa Majestade, Vossa Excelência) ou qualificativos (Digníssimo, Eminentíssimo, Reverendíssimo (cf. as observações de Silvio Edmundo Elia, o.c.).

Alguns axiônimos são frequentes na prática do direito: não há tribunal que não seja egrégio, nem desembargador que não seja eminentíssimo ou juiz que não seja meritíssimo; não há acórdão que não seja venerável, nem há sentença que não seja respeitável (por mais que ao anulá-la ou reformá-la quanto ao mérito, ela não esteja, de fato, sendo respeitada; outra coisa, muito diversa, é que se respeitem a pessoa que a prolatou e o direito de proferi-la com liberdade de pensamento e de expressão).

De há muito, contudo, esses tratamentos formais ou formulários, ainda que imbuídos de algum ânimo de cortesia, não se aplicam –rotineiramente, ao menos– às partes que litigam num processo: lê-se em Pierre Mimin, p.ex., que “Monsieur, Madame, Mademoiselle, sont des appelations jamais accordées aux parties” (in Le style des jugements. Paris: Marchal et Billard, 1936, p. 25).

Na prática das notas e dos registros públicos não é corrente o uso de axiônimos, ainda que sua utilização eventual não implique nulidade dos atos. Parece que deva sublinhar-se este ponto: uma coisa é que um dado uso –chamemo-lo assim– uso culto da linguagem na prática notarial e registral se faça costumeiro e, por isso mesmo, aparente aconselhar-se e até mesmo erigir-se como «uso clássico». Mas a língua possui sua dinâmica –nasce, vive e morre–, altera-se com o tempo, e sua contínua propensão a modificar-se, se, de um lado, não impõe a compulsividade de adotarem-se todas as inovações (algumas das quais tendentes à arbitrariedade ou, quando menos, ao mau gosto estético), de outro lado não pode, simplesmente, impedir-se à conta de um suposto uso privilegiado do que se tenha estabelecido em tempo anterior. Em resumo, tem razão Carlos Alberto Faraco quando diz, com muita verve, que, “em matéria de língua, não há, portanto, papas nem tribunais supremos”; mas também não falta razão ao mesmo autor quando afirma ser necessário um registro –ou livro do tombo de palavras– “porque é inviável que cada um escreva as palavras como bem quiser” (in Norma culta brasileira. São Paulo: Parábola, 2008, p. 102 e 103). E o mesmo se pode dizer das textualizações nas notas e nos registros.