A atribuição e a correlata assunção de um nome para cada pessoa é tanto um elemento identificativo social, quanto determinativo pessoal. Observou Rabindranath Capelo de Souza, in O direito geral de personalidade, que, nas relações humanas –sejam as dos homens consigo próprios, sejam as com outras pessoas humanas e com a natureza e com Deus–, “cada homem é um ser em si mesmo e só igual a si mesmo” (p. 244).
Essas características de determinação individual e de identidade social e política correspondem, pois, por meio do nome, ao reconhecimento e respeito a uma pessoa –“unidade diferenciada, original e irrepetível” (Capelo de Souza)– e à sua dignidade. Toda pessoa humana é singular, única, e por isso, assim o disse Eudaldo Forment, os homens sempre têm uma vida pessoal, e têm biografia porque essa vida é individual e não genérica; nessa biografia não se trata de considerar as propriedades universais dos homens, senão que os indicativos particulares da vida real de uma pessoa.
Cabe perguntar quando se adquire a determinação individual pelo nome próprio. Manuel Vilhena de Carvalho (Do direito ao nome) conclui acertadamente que a assunção do nome é contemporânea à de sua exteriorização social (p. 94), vale dizer que há uma quase reciprocação de causa e efeito entre a determinação individual e a identificação social e política, de modo que a primeira dá suporte à identidade comunitária, mas é esta quem atualiza aquela.
O direito notarial sempre conviveu com essa singularidade vital dos homens, tutelando-a, à partida, pela observância da determinação pessoal e da identidade social dos partícipes dos instrumentos públicos, certo que, entre seus requisitos formais, sempre esteve o nome do notário, dos outorgantes, das testemunhas, comumente sob pena de invalidade. Mas não só, porque também o nome dos fatos, atos ou negócios jurídicos –é dizer, de ações ou de resultados, de coisas, enfim, que interessam às relações jurídicas– é requisito de forma dos documentos públicos.
Não diversamente, o direito registral também se voltou a satisfazer as exigências de determinação pessoal e de identidade social, como ainda agora, na sua estruturação contemporânea, dão exemplo as imposições de atendimento à especialidade subjetiva (que supõe à raiz a determinação do sujeito) e à do fato inscritível (cf., a propósito, o que dispõem os incs. I e II do art. 167 da vigente Lei brasileira de registros públicos –Lei 6.015/1973).
Merecem destacar-se alguns aspectos pontuais acerca da atribuição do nome pessoal no âmbito do registro. Para logo, é esse o elemento essencial do registro de nascimento (vidē n. 4 do art. 54 da Lei 6.015), porque esse registro é o fólio nuclear e atrativo de todas as demais inscrições no registro civil das pessoas naturais (cf., brevitatis studio, os arts. 102 e 107 dessa Lei 6.015).
Assinalável, no mais, é a disposição restritiva que se vê no art. 58 da Lei 6.015, referente à mudança de prenome, indicando não apenas sua tendencial estabilidade –para, assim, atender à determinação pessoal e à identidade social de cada pessoa–, mas, sobretudo, vedando, a seu propósito, uma interferência autônoma da vontade. Essa restrição legal excepciona-se agora, na praxe registral, ao conceder-se ampla liberdade de mudança designativa aos interessados que se afirmem transgêneros. Avistam-se possíveis consequentes dessa exceção, ao largo do tempo, uma vez que não cabe ao registrador aferir a veracidade da declaração de quem se diga incluir-se na categoria de transgênero.
Consigne-se, por fim, uma pequena incursão no âmbito de possível demanda de terceiros para a mudança de nome de alguém ou ainda de oposição de terceiros à que se altere o nome de uma pessoa. Raymond Lindon, em Les droits de la personnalité, apreciou alguns episódios dessa espécie nos tribunais franceses, destacando a legitimidade subjetiva tanto de quem se diga diretamente prejudicado pelo uso de um nome, quanto pelos familiares do prejudicado, e, além disso, examinou a qualificação do prejuízo –que há de ter seu relevo– para justificar essas pretensões.