Atribuição de nome (quarta parte)

                 ATRIBUIÇÃO DE NOME (parte 4)

                 A palavra –ou nome–, assim o já o fez Aristóteles, no primeiro capítulo do livro da Política, existe para tornar manifesto o bom e o mal, o justo e o injusto, porque é a comunidade dessas coisas o que constitui a família e o estado, associações naturais.

                 Ainda que as palavras sofram mudanças ao largo de sua história (p.ex., o nome “testamento” era um gênero na linguagem jurídica, abrangendo as vendas, as permutas, as doações), mas, de comum, as palavras devem tender à estabilidade se sua função é o serviço da ordem comunitária.

                 Já se deixou dito, com apoio na doutrina de Aristóteles, as palavras são signos de conceitos, e estes, representação das coisas; de que segue: as palavras dizem relação com as coisas significadas, mediante o conceito intelectual. Se essa relação se desordena, desordenam-se o conhecimento e a boa convivência humana.

                 Interessante observação fizeram, a propósito, Contreras e Poole, ao dizerem não ser o idioma mais do que a expressão de uma necessidade universal partilhada por todos os homens. Dessa maneira, não se dera uma comum estrutura lógica na linguagem, seria impossível traduzir de uns idiomas a outros.

                Pode designar-se abuso semântico (Amerio) a mudança arbitrária da compreensão dos nomes –cogitavelmente, em algumas situações, as mudanças podem mesmo ser intencionais. É gráfico, a propósito, o episódio de Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carrol, em que a personagem Humpty Dumpty possui um vocabulário singular: “Quando eu uso uma palavra, ela significa exatamente o que eu quero que ela signifique… nem mais nem menos” (it means just what I choose it to mean –neither more nor less).

                 Vivemos em tempos de mutações arbitrárias nos significados das palavras. Vai muito longe o tempo, a propósito, da reverência ritual aos nomes, assim a que se recolhe no Antigo Testamento, em que a leitura das palavras da lei se fazia, na festa do tabernáculo, durante o ano sabático (é dizer, de sete em sete anos), em sinal de respeito aos dicta e de intento de conservação de seus mandatos (ou seja, dos preceitos do bem e do justo, das vedações do mal e do injusto).

                 Tomemos por exemplo emblemático da palavra “matrimônio”. Já no direito romano, via-se esse conceito de Modestino, jurisconsulto pagão do século III: “união do varão e da mulher, consórcio de toda a vida e comunicação do direito divino e do humano” ( “nuptiæ sunt coniunctio maris et feminæ et consortium omnis vitæ, divini et humani iuris communicatio” – Digesto 23,2 -De ritu nuptiarum). Não muito diferente foi essa outra noção indicada por Justiniano: “união do varão e da mulher que compreende o comércio indivisível da vida” (“Nuptiæ sive matrimonium est viri et mulieris coniunctio, individuam vitæ consuetudinem continens” – De patria potestate I,9).

                 Não se trata, por evidente, de decidir –a contar do uso de um nome– se cabe ou não reconhecer a validade jurídica de pactos de convívio sexual celebrados entre pessoas do mesmo sexo, ou, como se faz de moda, ajustes mais estendidos em que não faltam uniões sexuais de uma só pessoa consigo própria ou com partes de seu corpo. Isso não depende do nome com que se queira designar. O de que se trata, isto sim, é de considerar injustificável alterar, sem mais, a compreensão de uma palavra que há muitos séculos tem acepção precisa e classicamente reconhecida finalidade primária: a procriação e a educação da prole –“finis primarius matrimonii (…) est procreatio et educatio prolis”  (Felix Cappello); “Finis matrimonii. 1. Essentialis et operis est: a) primarius, procreatio atque educatio prolis…” (Marcelinus Zalba).

                 Prosseguiremos.