Será necessária a lei humana quando haja, na sociedade política, magistrados para fazer justiça?
Lê-se na Retórica de Aristóteles:
“Pois muito especialmente corresponde às leis bem dispostas tudo determinar por si, enquanto seja possível, deixando aos que julgam o menos possível; em primeiro lugar, porque é mais fácil escolher um ou poucos que muitos de bom sentido e capazes de legislar e julgar. Depois, porque as leis se fazem depois de muito tempo de deliberar, ao passo que os juízos são de improviso, de maneira que é difícil que os juízes atribuam bem o justo e conveniente. E, sobretudo, porque o juízo do legislador não é sobre o particular, mas para o futuro e o geral, [ao passo que] o juiz julga acerca de coisas presentes e definidas, frente às quais cabe já a amizade e o ódio (…)” (Bkk. 1354 b).
E, passados 15 séculos desde esta lição do Estagirita, aprovou-a de modo expresso S.Tomás de Aquino:
“Como disse o Filósofo, «melhor é que todas as coisas estejam reguladas pela lei do que deixá-las ao arbítrio dos juízes». Em primeiro lugar, porque é mais fácil encontrar uns poucos sábios que bastem para instituir leis justas do que os muitos que se demandariam para julgar retamente em cada caso particular. Em segundo lugar, porque os legisladores consideram durante muito tempo o que há de impor a lei, ao passo que os juízos dos fatos particulares se formulam em casos que ocorrem subitamente; e o homem pode ver mais facilmente o que é reto depois de considerar muitos casos do que apenas depois do estudo de um. E, por último, porque os legisladores julgam no universal e sobre fatos futuros, ao passo que os homens que presidem nos juízos julgam de assuntos presentes, assuntos nos quais estão afetados pelo amor, pelo ódio ou qualquer outra paixão; e assim se falseiam os juízos.
Desse modo, como a justiça vivente do juiz não se encontra em muitas pessoas e, além disso, é muito flexível, impõe-se a necessidade, sempre que seja possível, de instituir uma lei que determine como se há de julgar, e de deixar pouquíssimos assuntos à decisão dos homens −paucissima arbitrio hominum commitere” (S.th., I-II, q. 95, art. 1, ad2).
Já ao início do século XX, dirá Enrique Gil Robles: “hay que tener en cuenta que el supremo arbitrio en materia judicial se limitó mucho antes que en materia ejecutiva y, por exigencias racionales, será siempre más restricto, como quiera que los intereses confiados à la magistratura, por más individuales, se consideran más sagrados”. E prossegue o autor:
“…esta fue la causa de que el individualismo, o mejor dicho, personalismo medieval, tratase de garantizar antes la independencia de la función y organismo judiciales (…)” (Tratado de derecho político, tomo II, p. 669-70).
O ativismo judicial-administrativo tem por objeto o âmbito propriamente judicial (scl., o das atividades dos juízes) e o campo extrajudicial (qual o das entidades e funções não judiciais submetidas seja, quando o caso, à hierarquia, seja, diversamente, a complexos e variados modos possíveis de regência não hierárquica).
Em ambas as hipóteses, o problema que logo surge à vista é o do confronto de uma decisão alheia de norma objetiva prévia e geral, é dizer, o conflito com a segurança jurídica, que é o firme estado jurídico das coisas –firmitas iuridici status rerum. Tem-se, pois, que a ausência de prévia e objetiva ordenação para o bem agir –ou a abdicação dela–, uma e outra afligem a segurança de orientação.
O ativismo judicial-administrativo leva ainda, não raramente, ao que Gustavo Zagrebelski designou por legislatività dell’organizzazione, uma vez que as decisões ativistas frequentemente ultrapassam os limites da função administrativa interna (a que produz efeitos imediatos apenas em relação aos submetidos à regência da potestade), impondo deveres a terceiros (ou mesmo instituindo direitos em seu favor).
Tal o observou Zagrebelski, a legislatività dell’organizzazione opera como uma forza ineluttabile, debilitante do princípio da legalidade, ao afligir “a predeterminação legislativa da atuação administrativa” (Il diritto mite, p. 40).