Ata Notarial (primeira parte)

Embora o termo complexo instrumento público signifique, por antonomásia, escritura pública (ou escritura notarial), estende-se ele, de maneira apropriada, não só aos documentos judiciais (carta de sentença, carta de adjudicação, formal de partilha, mandado, alvarás etc.) e administrativos (licenças, autorizações, autos, etc.), mas também aos documentos registrários (certidões e autos) e ainda a outras espécies de atos notariais diversos da escritura pública, assim a ata notarial e, para quem entenda distingui-los da escritura, a procuração tabelioa e os testamentos notariais (discrimen como esse tem-se na Lei brasileira 8.935, de 18-11-1994, em cujo art. 7º se enumeram como atos exclusivos dos tabeliães de notas as escrituras, as atas notariais, as procurações públicas, os testamentos públicos os cerrados).

 

Tem-se, pois, que a ata notarial é uma das espécies do instrumento público notarial, e, indo além, é uma das subespécies do instrumento público em geral (cf., a propósito, brevitatis causa, o estudo –douto como é seu hábito– de João Teodoro da Silva, in VV.AA., coordenação de Leonardo Brandelli, Ata notarial. Porto Alegre: Safe -Irib, 2004, p. 19-20).

 

Fácil, prima facie, poderia parecer discriminá-lo em seu gênero mais remoto, por meio de uma causa extrínseca, a eficiente, suposto pudesse a ata notarial reduzir-se a ser efeito de atividade de um tabelião de notas, nisso se distinguindo dos demais instrumentos públicos (judiciais, administrativos e registrais). Todavia, é preciso atender, no caso brasileiro, à circunstância de que se atribuam ao tabelião de protesto de título –que pode estimar-se um “notário especializado” (João Teodoro, o.c., p. 31)– a autoria da ata de lavratura do protesto (cf. inc. IV do art. 11 da citada Lei 8.935, de 1994) e ao registrador de títulos e documentos a competência, no termos da normativa atual de regência, para efetuar a ata de protocolização de documentos particulares e ainda a de notificações, avisos e denúncias (arts. 146 et sqq. e 160 da Lei 6.015, de 31-12-1973). Assim, ao dizer-se que a ata notarial é produto da atuação do tabelião de notas, isto considera o mais comum, quod plerumque accidit, e não a totalidade das hipóteses legais.

 

Distinguem-se, de um lado, a ata notarial, e, de outro, a escritura pública, por mais que, na linguagem jurídica, o termo escritura pública, tomando-se, como ficou dito, por ser o mais relevante instrumento público, abranja, em algumas referências e ainda que de maneira imprópria, a expressão ata notarial: “acta y escritura, en el fondo esencial –isto o disse Rafael Núñez Lagos– son el mismo instrumento público” (Hechos y derechos en el documento público. Madrid: Instituto Nacional de Estúdios Jurídicos, 1950, p. 10).

 

A ata, em todo seu gênero –conceitua-a Carlos Emérito González (Teoría general del instrumento público. Buenos Aie: Ediar, 1953, p. 83)–, é “a relação fidedigna de fatos que o escrivão presencia” (la relación fehaciente de hechos que presencia el escribano). Na dicção de Núñez, ata é “copia del natural”, porque “las actas notariales –assim o afirmou Miguel Fernández Casado– no pueden contener otra cosa que la narración exacta de los hechos presenciados por el Notario y capaces de ejercer influencia en los derechos” (Tratado de notaría. Madrid: Imprenta de la Viuda de M. Minuesa de los Ríos, 1895, tomo I, p. 395). Dessa maneira, a ata notarial é como que um retrato realista do quanto capta o notário por seus sentidos externos (a bem dizer, pela vista ou pela audição, esta deste que com o concurso da potência visual) e percepciona por seus sentidos internos (cujo papel é de relevo destacar). A ata, enfim, é uma relação, um relatório, “una constancia, no un contrato” (Emérito González), um documento cifrado a fatos, embora não seja seu privilégio a tratativa de fatos (é de Núñez a lição de que nenhum documento notarial se refira unicamente a direitos).

 

Como distinguir uma e outra, ata notarial e escritura pública? A mera manifestação de vontade –p.ex., uma declaração típica– deve estimar-se na órbita exclusiva do fato ou é já algo que remete à espécie da escritura pública?

 

Isso o veremos a seguir.