Prossigamos um tanto mais a considerar o tema da ata de notoriedade.
A ideia de conhecimento –e o conceito de notoriedade supõe à raiz o fenômeno do conhecimento– compreende, quanto a seu aspecto formativo, uma correlação sujeito-objeto. Não há conhecimento possível sem que haja algo a conhecer (coisa, que é o objeto gnosiológico) e um sujeito que se relacione como essa coisa, enquanto objeto.
O vocábulo “sujeito” possui várias acepções, entre elas –e Vallet de Goytisolo, nos Manuales de metodología jurídica (Madrid: Fundación Cultural del Notariado, 2004, tomo I, p. 23), reporta-se a sete significados– uma há que interessa à gnosiologia, pela qual o sujeito cognoscente se define (com Ferrater Mora) sujeito para um objeto, considerando-se, pois, a apontada correlação sujeito-objeto que há em todo fenômeno do conhecimento. Dessa maneira, no domínio da gnosiologia a noção de sujeito é correlativa da de objeto, a exemplo do que, de modo similar, ocorre do campo da lógica, em que a noção de sujeito é sempre correlata da de predicado; assim como não há, logicamente, sujeito sem predicado, ou predicado sem sujeito, tampouco, no campo do conhecimento, sujeito sem objeto ou objeto sem sujeito.
Assim, o fato terminativo do conhecimento resulta sempre dessa relação mútua entre sujeito e objeto, relação que é também um fato, o fato do processo do conhecimento. O fato terminativo (res effecta) depende de outro fato ou coisa que se põe como objeto (aquilo que está posto à frente) para o fato do sujeito, e, pois, estamos perante três fatos: o fato da coisa conhecida (i.e., o objeto do conhecimento), o fato da relação de conhecimento e o fato do conhecimento adquirido (ou seja, para sumariar, o produto da apreensão intelectual).
Voltemos agora nossas vistas à ata de notoriedade. Nela o que narra o notário é o fato terminativo –a res effecta do processo de conhecimento– e não o fato da própria coisa conhecida. Suponha-se que se expeça uma ata relativa ao domínio público do conhecimento de que Jean Arfel usava, de modo habitual, o pseudônimo Jean Madiran; ou que Henri Petiot se valia, costumeiramente, do pseudônimo Daniel-Rops. O que se narra não é o fato de que Arfel se apresentava com o apelido Madiran, ou Petiot, com o nome Daniel-Rops, mas, isto sim, o fato de que, num dado grupo social –maior ou menor, o que se consignará, tanto quanto possível na ata–, eram de conhecimento público esses usos. Trata-se, pois, da narrativa não de uma verdade provada, mas de uma “verdade por fama pública” (Giménez-Arnau); traduz-se com a ideia de “opinião pública” (diz-se que, consta que, conta-se que…).
Por isso, em palavras de Manuel de la Cámara Álvarez –que foi notário em Madrid em meados do século passado–, pode afirmar-se que o objeto da ata de notoriedade não é o fato notório, mas a notoriedade desse fato; ou seja, não é o fato que se diz de domínio público, mas o fato do domínio público de um fato. Por isso, distinguindo a notoriedade objeto da ata notarial de outra sorte de notoriedade, a dos processualistas, disse Manuel de la Cámara que aquela, a da ata elaborada pelo notário, é uma notoriedade relativa, que concerne aos “fatos que são tidos por certos, por todos ou pela grande maioria das pessoas que se relacionam com aquela a que se refere ou afeta o fato notório, ainda que os desconheça a imensa maioria de seus concidadãos, que não têm relação com esse sujeito” (apud Gomá Salcedo). Esse entendimento frui, entre nós, do apoio expresso, p.ex., de Leonardo Brandelli.
Assinale-se, pois, que a notoriedade possui gradação, porquanto pode variar o círculo das pessoas que conheçam e tenham por certo determinado fato que, sendo, por exemplo, indiscutível no âmbito de um edifício, de uma rua ou de um quarteirão, possa ser desconhecido em um território mais amplo (de um bairro, de uma cidade, etc.; cf. Giménez-Arnau). Disso deriva que Pedro Ávila Álvarez divida os fatos notórios em fatos vulgarizados –de que dá exemplo: “O rio Tejo passa por Toledo”–, fatos supernotórios –v.g., “O Professor Cardoso foi presidente do Brasil” (trata-se aqui de fato conhecido por todos que estejam em certa conexão espacial como esse fato) e fatos simplesmente notórios (assim, “A casa amarela, ali da esquina, é de propriedade de Tício), fato esse conhecido por quem se encontra em relação mais próxima ou especial com o objeto.
Posto isto, a que situações pode aplicar-se a ata de notoriedade? Gomá refere algumas hipóteses: a possessão de estado, a exercício habitual de uma atividade, a existência ou a inexistência de filhos, a residência de uma pessoa em determinado lugar, etc.; Pedro Ávila Álvarez refere outras mais: a identidade das pessoas que, por erro, aparecem com distintos nomes em diversos documentos; a cessão no exercício do comércio; as pessoas dos fideicomissários nomeados pelo testador mediante, p.ex., simples referência a parentesco ou título acadêmico; entre nós, Bianca Schaedler, Paulo Roberto Gaiger Ferreira e Felipe Leonardo Rodrigues alistam entre as atas de notoriedade a fidei vitæ.