Ata Notarial (nona parte)

Ata de protocolização: por mais não se possa dizer entre nós incorporado ao usus loquendi, com a ideia de referir livros das notas, ou algum lançamento nesses livros, é fato que o vernáculo “protocolo” –e, com ele, seus correlatos adjetivo “protocolar” e verbo “protocolizar”– atende, entre outras acepções, à de caderno ou livro para o registro, p.ex., de atos de uma sessão processual –o protocolo das audiências– ou, na Idade média, de outros atos públicos (cf., brevitatis studio, Laudelino Freire).

              Certo é que, etimologicamente, o vocábulo protocolo deriva do grego (protos + colon) com o sentido de primeiro ou principal lugar. A um modo que, prontamente, pode reconhecer-se no território do direito registral, o protocolo, com essa apontada etimologia, leva à ideia do primeiro no tempo (da inscrição), melhor no direito, finalidade que corresponde à metódica dos lançamentos no livro do protocolo dos registros públicos. Essa acepção molda-se à realidade das coisas, porque a ideia de primazia ou prioridade é um fenômeno rotineiro na vida comunitária. Erasmo de Roterdam, em seu Adagiorum chiliades (1536), indicara já o aforismo latino qui primus venerit, primus molet (quem primeiro chega, primeiro mói), porque o conceito de prioridade emergira com a prática do uso dos moinhos públicos (Josué Modesto Passos apontou-me, a propósito, a existência de um refrão germânico, Wer zuerst kommt, mahlt zuerst, com equivalente significado, e há expressões paralelas em italiano –chi prima arriva, meglio macina ou chi tardi arriva, male alloggia, e no galego: na acea, primeiro moe o que primeiro chega).

              Mas o sentido da palavra grega colon também sugere um segundo modo de entender-se o termo protocolo (protos + colon), porque nos sugere a ideia de depósito, vale dizer: o primeiro depósito, o principal depósito. Essa acepção é a preferida de Miguel Fernández Casado (Tratado de notaría, I, item, 708). E, com esse entendimento, já se avista que o depósito deva realizar-se num dado lugar ou suporte, e isso abrange a ideia de livro.

              Por isso, podemos admitir o uso da palavra protocolo quer para significar registro em algum lugar, quer para significar um lugar para esse registro. Esse lugar, como se disse, pode ser um livro, desde que se considere o termo livro em uma acepção bastante ampla: João Mendes de Almeida Júnior ensinou, a propósito, que o substantivo latino liber, libri, significa, primeiramente, o cerne e a casca de uma árvore, e só por extensão passou a aplicar-se às tabuas de escrita, ao pergaminho, ao papel, tardiamente vindo a designar a coleção de folhas encadernadas (cf. Órgãos de fé pública, 1963, p. 6).

              Dito isso, podemos já compreender que uma ata notarial de protocolização seja o instrumento com que se incorpora –é dizer, protocoliza-se– um documento no livro (do protocolo) notarial. A única finalidade dessa ata de protocolização, diz Gomá Salcedo, é a de “incorporar o unir al acta propriamente dicha un documento que queda protocolizado con ella” (o.c., p. 341-342). Seu objeto abarca não apenas documentos privados literais, senão que, por igual, fotografias (Giménez-Arnau, o.c., p. 425) e Pedro Avila Alvarez, o.c., p. 246), e talvez, sobretudo com as novas técnicas informáticas, possa expandir-se a filmes e áudios.

              Tal se pode concluir, a ata de protocolização é, em linha de princípio, uma ata de presença relativa a documentos (Gomá Salcedo, Giménez-Arnau), da qual somente se esecializará na medida em que os ordenamentos positivos dela tratem de maneira singular para dar-lhe o caráter de tipologia própria. Calha que, ao lado de uma persecução autônoma do fim de incorporar um dado documento ao livro de protocolo das notas, a ata de protocolização pode ter caráter incidental (assim, Pedro Avila Alvarez e, entre nós, Leonardo Brandelli), como parte de uma escritura ou de uma outra ata voltadas a finalidades distintas da mera incorporação de um documento.

              O mesmo Leonardo Brandelli entende, contudo, que as atas de protocolização não se viabilizam no direito brasileiro vigente. A tanto aponta dois motivos: um, o da falta de legislação específica; outro, o de que o registro de títulos e documentos supre a função que se reclamaria dessas atas, nos termos do que dispõem os arts. 127 e 129 da Lei nacional 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (o.c., p. 58). Tampouco ao classificar as atas notariais, Paulo Roberto Gaiger Ferreira e Felipe Leonardo Rodrigues se referem às atas de protocolização.

              Não me parece que seja isento de possível controvérsia esse entendimento. Primeiro porque a ata de protocolização é, no fim e ao cabo, uma ata de presença. Em segundo lugar, porque o só fato de o ofício de títulos e documentos ter atribuição legal para registrar instrumentos particulares não exclui, por si só, possa incorporá-los o notário em seus livros, além de essa atribuição normativa do registro de títulos e documentos não exaurir as hipóteses de objeto suscetível de ata de protocolização. Por derradeiro, ao menos quanto às atas incidentais de protocolização não parece vedá-las, nullo modo, o direito brasileiro.

              Mas o tema, reconheça-se, é controverso, e é sempre justo realçar a autoridade de Leonardo Brandelli.

              Ao fundo, talvez pudéssemos reconduzir o debate a uma questão fundamental: o notário, por subalternar-se ao princípio da legalidade, só pode praticar atos que estejam positiva e expressamente previstos na normativa? Ou, ao revés, pode praticar atos, propter officium, desde que não estejam, negativa e explicitamente, vedados pelas normas legais? Qual dessas alternativas parece melhor responder à missão notarial de determinar o direito num ambiente de autonomia das vontades contratantes?