Não hesito em conceder tanto à razão que resulta da análise dos fatos, quanto à autoridade de Carolina Michaëlis de Vasconcelos, que, aqueles a quem, de modo patentemente depreciativo, esta notável autora, nas magníficas páginas das Lições de filologia portuguesa, denominou «colecionadores», possa imputar-se alguma conivência com a lentidão dos dicionaristas em registrar vocábulos novos já integrados ao usus loquendi. Todavia, isso não parece justificar a hospedagem de palavras provenientes não da linguagem correntia, mas da de uma restritíssima classe culta que se dê o trabalho de criar neologismos concorrentes com vocábulos de uso já rotineiro quer entre a mesma gente culta, quer no ambiente popular. E é isso o que aparenta acontecer com o castelhanismo «subsanação», correspondente aos vernáculos «retificação» e «sanação», mera palavra nova –palavra de laboratório– que vantagem alguma parece agregar a nosso idioma português, salvo que, isto é verdade, responda à ideia de que, em matéria de construções artísticas, variatio fere semper delectat (a mudança agrada quase sempre).
Mais importante, contudo, é aqui –e sem embargo dessa minha implicância vocabular– discutir sobre a possibilidade jurídica da ata notarial de sanação no direito brasileiro vigente.
Vitor Frederico Kümpel e Carla Modina Ferrari, no volume III de seu Tratado notarial e registral, sumariaram a controvérsia sobre a viabilidade da elaboração dessa ata no direito pátrio atual, concluindo por seu cabimento, “desde que não influam no negócio jurídico causal, nem impliquem alterações nos elementos essenciais do negócio jurídico” (p. 583), de sorte a admitir-se a retificação condicionada a não ser necessária nova manifestação de vontade dos clientes. Exemplificam, a propósito, com a correção de número de documento de identidade ou de erros de grafia de nome ou de indicação do estado civil dos partícipes do instrumento a retificar.
A tese oposta ancora-se, p.ex. com o entendimento de Leonardo Brandelli, na falta de expressa previsão legislativa para a elaboração dessa ata. É verdade que a normativa é lacunar quanto a isso, e não é possível reclamar o socorro de regras editadas em via administrativo-judicial, a que míngua competência para colmatar omissões da lei.
Nada obstante, a indagação que se deve propor é a relativa a que, efetivamente, deve corresponder o princípio da legalidade notarial, se à só prática de atos previstos de modo positivo e explícito nas normas de regência, ou se, também, à prática de outro atos que não estejam interditados, de maneira expressa, pelo ordenamento jurídico. Nunca é demasiado sublinhar que o papel do notariado é o de dar voz à autonomia das vontades particulares, inibindo-se, apenas, quando essas vontades se inclinem à violação do direito.
Admitida que seja a ata de sanação ou retificação, com os lindes já apontados de ela não influir, in substantia, no actum anterior –o ato que se vai retificar–, deve admitir-se essa ata:
(i) quer para sanear equívoco em escritura pública, quer para retificar precedente notarial;
(ii) sem necessidade de nova rogação; pode tanto pensar-se em uma atuação propter officium, quanto –e isto aparenta mesmo ser mais considerável– ainda ser eficaz a rogação inicial, porque a atividade originalmente solicitada era a que, com a sanação, se verá cumprida de modo correto;
(iii) tanto na hipótese de a retificação ser positiva (acréscimo de dados), quanto na de o ser negativa (subtração de dados: ex., a de um algarismo excessivo no número de um documento), e ainda em hipótese mista –retificação híbrida: subtraindo-se um dado e acrescentando-se outro; v.g., expungindo-se um nome errôneo e agregando-se o correto;
(iv) sempre que não só o erro seja facilmente avistável, mas que sua correção seja, por igual, facilmente confirmada;
(v) seja ela protocolar (quando o instrumento objeto da retificação seja dessa natureza) ou não protocolar (ad exemplum, uma retificação do nome de alguém, mal designado na origem, cuja firma se reconheceu).