Aqui trataremos do nome em sentido comum: designação, denominação, palavra significante, deixando para um verbete posterior –atribuição de nome e prenome– alguns discrimina que interessam de perto ao campo jurídico (cf., brevitatis causa, a Lei brasileira 6.015, de 1973, arts. 54 et sqq.).
É muitas vezes misteriosa a relação entre nome (nomen) e essência (numen), mas a história parece dar razão a que os nomes tendam a referir, de algum modo, algo das coisas que designam, não raro sua própria essência. Que os nomes não sejam impostos pela natureza das coisas e, isto sim, sejam frutos de convenção, não acarreta que sejam produto de uma arbitrária imputação: o despotismo das designações. Isto caberia num escrito ficcional, é verdade, mas não na história real dos homens: assim, em Alice no país das maravilhas, de Lewis Carrol, diz a personagem Humpty Dumpty: “Quando eu uso uma palavra, ela significa exatamente o que eu quero que ela signifique… nem mais nem menos” (it means just what I choose it to mean –neither more nor less). Mas Alice viu logo o problema: o caos que essa arbitrariedade geraria na própria cabeça de Humpty Dumpty, que não teria nomes para seus próprios conceitos e para as realidades que estes pudessem representar ("The question is –said Alice– whether you can make words mean so many different things”).
Não é só impossível denominar o que não se conhece (nullus potest significare id quod non cognoscit -S.Tomás, S.th., I, 13, 10, sed contra), mas também não se pode conceituar se não há nomes que bem signifiquem as noções: a falta de palavras, disse Ernst Curtius, interfere nos conceitos (in Literatura europeia e idade média latina). E é assim explicável por qual motivo a filosofia clássica se propunha de modo costumeiro começar pela significação dos nomes, e, na retórica, a primazia do lugar comum sempre se desse pela definição nominal, logo seguida da real. Pode entender-se, pois, que a atração pelo numen das coisas –como o disse Afonso Botelho, na Teoria do amor e da morte, é a do ser encanto ser– seja também (ou mesmo, de algum modo, antes) a atração do canto ou voz do ser, o encanto do nomen.
Também Moisés necessitou saber o nome de Deus. Não lhe bastava o encantamento de conhecer o Deus de Abraão, o Deus de Isaac, o Deus de Jacó, porque, quando o Profeta fosse dizer ao povo que seu clamor fora ouvido e atendido, os filhos de Israel quereriam saber como Deus se chamava: “Qual é seu nome?”, perguntariam eles (quod est nomen eius?, diz a Vulgata). E Deus disse a Moisés: Ego sum qui sum (Êxodo, 3, 14) –Eu sou o que sou.
É comum que os nomes das coisas exprimam algo de seus atributos reais (Aristóteles, Metafísica, 1012 a 23), ou seja, alguma qualidade da natureza de cada coisa. E os nomes das pessoas, por igual, remetem-se a alguma sua propriedade atual ou pretendida (seja física: os nomes Bela, Linda; o de Esaú, que significa ruivo -cf. Gênesis 25, 25; seja psicológica: Letícia –alegria; seja moral: Generosa, Vera), ao tempo em que nascem (nesse sentido, nas civilizações nutridas de cultura religiosa é comum dar-se às crianças o nome do santo da festa do dia), ao parentesco (há, por exemplo, em alguns povos, o costume de adotar o nome composto, para nele indicar o prenome do pai: assim, Jorge Salim significa Jorge, filho de Salim). As Escrituras registram também imposições de nome para significar algum dom concedido: Abrão passou a chamar-se Abraão, porque Deus o fez pai de muitas nações (Gên. 17,5); Simão chamou-se Pedro, pelo dom de chefiar visivelmente a Igreja então fundada (S.Mateus 16,18).
Em Historia de los ecos de un nombre, Jorge Luis Borges recordou a larga tradição –advinda dos aborígenes australianos, dos antigos egípcios e de Roma– de, longe de arbitrários, serem os nomes parte vital do que significam. O nome, pois, tinha algo de sacralidade: a posse consciente dos nomina era tido por fator essencial de os deuses pagãos darem audiência e proteção aos que os invocavam. O esquecimento do próprio nome levava, assim, à perda da identidade pessoal.
Não é só neste âmbito identitário ou estático que a relação nomen-numen tem seu relevo na história da humanidade. Deve também considerar-se o tema no plano dinâmico, de atualização da pessoa proferente do nome: Aristóteles, no De anima (3, 36-37), ensinou que “o sensível em ato é o sentido em ato, e o inteligível em ato, a inteligência em ato”, e, por igual, pode dizer-se que todo ato da pessoa é a própria pessoa em ato; de que segue ser o ato do proferimento do nome, de algum modo, não só a pessoa do proferente em ato, mas também a do proferido.
O nomen urbis Romæ, por exemplo, era secreto; a deusa Angerona, que protegia a cidade, trazia os dedos pousados sobre os lábios, símbolo de um silêncio ritual de um liame entre o nome significante e a coisa significada: ligação misteriosa entre a palavra e a eficácia do que se verbaliza. A um certo Valerius Soranus, segundo Cícero, por ter anunciado publicamente o nome da urbs Romæ, foi imposta (mas, talvez, não executada) a pena de crucifixão.
Contou S.Agostinho, na De Civitate Dei, a história de Marcus Attilius Regulus, chefe militar romano, que, feito prisioneiro dos cartagineses numa das guerras púnicas, foi enviado a Roma com a missão de persuadir o Senado a um escambo de prisioneiros, empenhando sua palavra de que, ao fim das tratativas, retornaria a Cartago. Estando em Roma, Marcus Regulus, todavia, persuadiu os senadores de que a troca de prisioneiros não atendia aos interesses do Imperium Romanum, e, na sequência, a despeito dos insistentes apelos dos romanos, Marcus Regulus retornou a Cartago, onde padeceu morte cruel, após horríveis torturas −horrendis cruciatibus. Mas, com isso, observou a convicção de a palavra de um homem ser a própria essência desse homem: é pela observância da palavra empenhada que se honram os que a proferem; um “homem de palavra” é o que cumpre as promessas, pois o nome proferido é a alma em ato.