Anotação

Nosso vernáculo anotação deriva, de maneira próxima, do latim annotatio, annotationis, que, por sua vez, remonta a nota, notæ: sinal, marca, apontamento, escrito, etc. (Francisco Torrinha, Antônio Geraldo da Cunha).

 

Parecerá, de fato, que o vocábulo português anotação resulte diretamente do acusativo annotationem (declinação esta que Laudelino Freire refere de maneira expressa). Isto corresponde a uma tendência de nosso idioma: o acusativo “é para o português o caso lexicogênico” (Napoleão Mendes de Almeida).  Isto não significa, é certo, que a origem latina das palavras da língua portuguesa advenham sempre do acusativo: consideremos, p.ex., vocábulos, em português, que proveem do nominativo, em algumas situações até mesmo do nominativo grego: assim, os nomes Eurípides, Pitágoras, Péricles, Sócrates; mas, diversamente, vêm já do nominativo Homero, Pandora, Platão (cf. Custódio Magueijo).

 

De toda maneira, é interessante ver como a adoção tendencial do acusativo no idioma português amparou a formação dos plurais de seus nomes. Sirva-nos aqui de confronto a língua italiana, que nisto se apoiou no caso nominativo do latim. Vamos a um exemplo: os vocábulos português dona e italiano donna –cujos plurais são, respectivamente, donas e donne– têm ambas origem na palavra latina domina, dominæ. Ora bem, o acusativo plural de domina é dominas, e o nominativo plural, dominæ. Tem-se, pois, que o plural de dona no português se dá com a desinência do acusativo plural latino (as), ao passo em que o plural donne do italiano segue o nominativo plural dominæ.

 

Voltemos ao vocábulo anotação (e a seus correlatos). O termo parece apresentar de dois modos no direito registral; num primeiro modo, em sentido amplo, acompanhando o significado comum desse vocábulo, o de apontamentos por escrito, comentários, observações (brevitatis causa, Laudelino Freire); assim, em norma relativa à ordem dos serviços no ofício de títulos e documentos, enuncia o art. 146 da Lei brasileira 6.015, de 1973: “Apresentado o título ou documento para registro ou averbação, serão anotados, no protocolo, a data de sua apresentação, sob o número de ordem que se seguir imediatamente, a natureza do instrumento, a espécie de lançamento a fazer (registro integral ou resumido, ou averbação), o nome do apresentante, reproduzindo-se as declarações relativas ao número de ordem, à data, e à espécie de lançamento a fazer no corpo do título, do documento ou do papel”; observe-se que a anotação, no protocolo do registro de títulos e documentos, tem caráter autônomo, principal, e não acessório, vale dizer que não depende de registro ou averbação anterior.

 

O segundo modo é mais estrito. Aqui, trata-se de apontamento não só acessório –que sempre exige a precedência lógica e cronológica de um registro ou averbação–, mas também que se expede, frequentemente, com dispensa de rogação (cf. art. 13 da Lei nacional 6.015, de 1973).  Já isto o advertira Philadelpho Azevedo: “A anotação é feita ex officio e limita-se (…) às remissões que pelos casamentos e óbitos deve fazer o serventuário nos assentos anteriores do nascimento e casamento”; também Serpa Lopes: “(…) a anotação, diferentemente da averbação, consiste num simples apontamento por escrito; pressupõe algum registro ou averbação, dos quais passa a constituir um elemento de indicação, remissivo dos atos anteriores com os mesmos relacionados”.  Exemplo gráfico desse modo stricto sensu de anotação registral é o que se anuncia no art. 106 da referida Lei 6.015: “Sempre que o oficial fizer algum registro ou averbação, deverá, no prazo de cinco dias, anotá-lo nos atos anteriores, com remissões recíprocas, se lançados em seu cartório, ou fará comunicação, com resumo do assento, ao oficial em cujo cartório estiverem os registros primitivos (…)”.

 

É frequente a afirmação de que, no registro de imóveis do Brasil, não caibam mais do que dois atos: o do registro e o do averbamento. Não é certa essa asserção. Na matrícula, é verdade, além de seu inventário inaugural (cf. o inc. II do § 1º do art. 176 da Lei 6.015), apenas prevê-se lançarem-se dois atos: registro stricto sensu e averbação, o que, entretanto, não impediu que se enunciasse no parágrafo único do art. 295 da mesma Lei 6.015: “Se a averbação ou anotação dever ser feita no Livro nº 2 do Registro de Imóvel, pela presente Lei, e não houver espaço nos anteriores Livros de Transcrição das Transmissões, será aberta a matrícula do imóvel”.

 

Além disto, indica-se a prática de anotações no livro 4 do ofício predial (“O Livro nº 4 - Indicador Real - será o repositório de todos os imóveis que figurarem nos demais livros, devendo conter sua identificação, referência aos números de ordem dos outros livros e anotações necessárias” –caput do art. 179 da Lei 6.015) e em seu livro 1, quando suscitado o processo de dúvida: “no Protocolo, anotará o oficial, à margem da prenotação, a ocorrência da dúvida” (inc. I do art. 198; no modelo de protocolo anexado à Lei 6.015 há uma coluna designada “anotações”; aliás, símile coluna também aparece nos modelos dos livros 4 e 5).

 

No mais, sequer seria demasiado nomear anotação toda escrita do protocolo do registro imobiliário, a exemplo do que se prevê para o livro de protocolo do ofício de título e documentos (art. 135).