Consiste a alienação fiduciária no título negocial constitutivo da propriedade fiduciária. Esta e não aquele é direito real. A razão de ser de ambas as figuras –a do contrato (alienação fiduciária) e a do direito real que ele constitui (propriedade fiduciária)– está na conveniência de conciliar a necessidade de crédito e a de o devedor usar o bem que garante o credor. Estabelece-se, dessa maneira, uma solução idônea para a dinâmica jurídica (a garantia do crédito) e, simultaneamente, preservada a situação possessória do devedor, a da continuidade do uso e gozo da coisa garante.
Dá-se, pois, por meio desse contrato de alienação, uma transferência de propriedade sem desapossamento: o alienante (fiduciante) transfere ao adquirente (fiduciário), em confiança (fiducia), a propriedade da coisa, mantendo-se o primeiro, entretanto, na posse direta, por meio do constituto possessório. O núcleo da fidúcia está posto aí na obrigação restitutiva da coisa alienada.
A figura emergiu no direito brasileiro com a Lei 4.728/1965 (de 14-7) lendo-se no § 2º de seu art. 66, § 2º: “O instrumento de alienação fiduciária transfere o domínio da coisa alienada, independentemente da sua tradição, continuando o devedor a possuí-la em nome do adquirente, segundo as condições do contrato, e com as responsabilidades de depositário”. Adiante, o Decreto 911/1969 (de 1º-10), deu nova redação ao caput do art. 66 da Lei 4.728: “A alienação fiduciária em garantia transfere ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada, independentemente da tradição efetiva do bem, tornando-se o alienante ou devedor possuidor direto e depositário com todas as responsabilidades e encargos que lhe incumbem de acordo com a lei civil e penal”. Por fim, o art. 66 da Lei 4.728 foi expressamente revogado com a eficácia da Lei 10.931, de 2 de agosto de 2004 (art. 67).
Com o advento da Lei 9.514, de 20 de novembro de 1997 (arts. 17, inc. IV, 22 et sqq.), disciplinou-se, entre nós, a alienação fiduciária de imóveis, que não é certo se afirme inviabilizada antes desse diploma normativo. Não poderia recusar-se, antes da Lei 9.514, a existência de propriedade predial fiduciária, e da só lacuna da menção do título causativo (alienação fiduciária) entre os registráveis stricto sensu nos termos Lei 6.015, não era razoável extrair a irregistrabilidade que, de fato, interditava a constituição do direito real. Não se viu, frequentemente, que os fatos obrigacionais, em numerus apertus, são o objeto da inscrição imobiliária, e argumentou-se com equívoco sob o molde da taxatividade dos direitos reais, como se a alienação fiduciária fosse, não um contrato, mas um direito real.
Vitoriando sobre o lapso reiterado, o caput do art. 23 da Lei 9.514 corretamente distinguiu a propriedade fiduciária e o negócio causativo correspondente: “Constitui-se a propriedade fiduciária de coisa imóvel mediante registro, no competente Registro de Imóveis, do contrato que lhe serve de título”. De conseguinte, incluiu-se um item (35) no inciso I do art. 167 da Lei 6.015, a previsão de registro stricto sensu “da alienação fiduciária em garantia de coisa imóvel” (art. 40 da Lei 9.514; atenda-se ao fato de essa lei ter sido alterada por vários diplomas legais, assim, o Código civil e as Leis 10.931, de 2-8-2004; 11.481, de 31-5-2007; 13.043, de 13-11-2014; 13.097, de 19-1-2015; 13.465, de 11-7-2017).
Além disso, observe-se que o art. 53 da Lei 11.706/2004 (de 30-12), alterando o art. 38 da Lei 9.514, incorreu na reiterada inconveniência de permitir a instrumentação particular dos títulos que reclamam registro predial (“Os atos e contratos referidos nesta Lei ou resultantes da sua aplicação, mesmo aqueles que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis, poderão ser celebrados por escritura pública ou por instrumento particular com efeitos de escritura pública”).