Artigo: Lei 14.382/2022 ampliou a desjudicialização para os compromissos de compra e venda – Por José Luiz Germano, José Renato Nalini e Thomas Nosch Gonçalves

Artigo: Lei 14.382/2022 ampliou a desjudicialização para os compromissos de compra e venda – Por José Luiz Germano, José Renato Nalini e Thomas Nosch Gonçalves

Já tivemos oportunidade de tratar do novo procedimento extrajudicial de adjudicação compulsória dos contratos preliminares integralmente quitados. Hoje a nossa atenção se volta para o mesmo contrato, mas agora sob a ótica de sua rescisão.

De fato, se quem pagou todas as parcelas de um compromisso, pode exigir fora do âmbito do poder judiciário que lhe seja transmitido coativamente o domínio, não seria natural que esse contrato preliminar seja da mesma forma desfeito e seu registro cancelado quando a pessoa deixa de pagar as prestações? Parece ser intuitivo que a resposta seja sim.

Como se sabe, no âmbito da alienação fiduciária já é um grande sucesso a sua execução extrajudicial. Também é muito utilizada a usucapião extrajudicial para a titulação de pessoas que exercem posse durante anos a fio. E também é possível a rescisão extrajudicial do compromisso de compra e venda, no âmbito dos loteamentos de imóveis urbanos (art. 32, §1º, lei 6.766/1979).

Todavia, o art. 251-A da Lei 6.015/73 é uma novidade que deve ser festejada, pois admite a rescisão do contrato registrado, sem a necessidade se recorrer ao poder judiciário, não apenas nos casos de loteamentos, mas em todos os casos de promessa de venda de imóveis cujas prestações não sejam pagas.

Hoje, quando alguém quer vender um imóvel com o pagamento em parcelas, normalmente estabelece uma cláusula de "condição resolutiva", que o poder judiciário tem predominantemente entendido que ainda assim requer uma ação para obter a rescisão. Outra opção é garantir essa dívida com a alienação fiduciária, que exige a realização de leilões antes que o credor possa ficar com o bem.

Porém, agora é possível que o contrato de promessa de vendaregistrado na matrícula do imóvel seja rescindido e o seu registro cancelado, em caso de não pagamento das prestações, tudo isso rapidamente e sem necessidade de se mover uma ação judicial.

A nova disposição legal permite que o prejudicado com a falta de pagamento requeira ao oficial do registro de imóveis que intime o devedor para que, em 30 dias, coloque os pagamentos em dia com todos os seus acessórios, diretamente no cartório. Se o pagamento for feito, o valor é logo repassado ao credor, o contrato fica mantido e tudo seguirá normalmente. Mas, se nesse prazo a dívida não for paga, o contrato será considerado rescindido e o seu registro será definitivamente cancelado em seguida.

Observe-se que, em poucas semanas, é possível a solução extrajudicial dessa pendência, que geralmente onera quem aliena seu imóvel, talvez seu único bem, mas não consegue receber o que lhe é devido.

Outro ponto que merece destaque á que a certidão de cancelamento do registro da compra e venda é prova suficiente para que se requeira, até mesmo liminarmente, a reintegração de posse do imóvel, esta sim, em processo judicial.

Com essa mudança, que valoriza a boa-fé que deve ter nos contratos, pensamos que é mais vantajoso para quem vende um imóvel com pagamento parcelado utilizar-se de uma promessa de venda e seu registro na matrícula, do que a compra e venda com condição resolutiva. A primeira opção permite desfazimento rápido, em caso de falta de pagamento, sem intervenção judicial. Já em relação à segunda (art. 474 do Código Civil) predomina o entendimento de que é preciso recorrer à justiça para desfazer o negócio, arrostando o interessado a lentidão e a imprevisibilidade da decisão definitiva.

É verdade que há um precedente do Superior Tribunal de Justiça, da 4ª Turma, no julgamento do Recurso Especial 620.787, Rel. ministro Marco Buzzi, considerando que nas vendas com condição resolutiva também não é necessária a desconstituição judicial do negócio.

Mas, ante a dúvida de qual será o entendimento da justiça a respeito da condição resolutiva, melhor contar com a certeza da inovação legal, que permite a rescisão de toda e qualquer promessa de compra e venda em que não são feitos os pagamentos, desde que tenha sido o devedor constituído em mora e tido oportunidade para colocar em dia os pagamentos.

É importante dizer que, apesar da inovação legal ser recente, ela pode ser utilizada desde já até mesmo para os contratos celebrados anteriormente e não apenas para os que forem feitos a partir de agora.

Se algum adquirente que tiver o negócio desfeito dessa nova forma considerar que tem algum direito, como a devolução de parte do valor que pagou, poderá discutir em juízo, mas sem que isso impeça a rescisão do contrato e a imediata retomada do bem pelo proprietário. Assim, os direitos de ambos os contratantes são plenamente respeitados.

Com essa inovação legal, fica reforçado o princípio de que os contratos devem ser cumpridos como foram previstos, sem que a pessoa possa protelar a solução da falta de pagamento. Isso favorece o ambiente dos negócios, reforça a responsabilidade de quem contrata e protege as pessoas que são cumpridoras de seus deveres. É mais uma injeção a revigorar a combalida economia tupiniquim.

Por fim, embora o compromisso de compra e venda possa ser feito por instrumento particular, preferencialmente com a assistência de um advogado, recomenda-se o uso da forma mais segura e solene da escritura pública, com a assistência jurídica imparcial de um tabelião, que em algumas unidades da Federação têm custas com descontos para esses casos em que a forma pública é opcional.

Resta agora que as pessoas com melhor orientação jurídica utilizem mais o compromisso de compra e venda do que a venda com condição resolutiva. Com aquele contrato, se as prestações forem pagas e o dono não quiser outorgar a escritura, há para o prejudicado a adjudicação compulsória extrajudicial. Se, ao contrário, as prestações não forem pagas, poderá o prejudicado obter a rápida rescisão extrajudicial com o cancelamento do registro, de forma segura, rápida, barata e eficaz.

Autores:

José Luiz Germano é desembargador aposentado e foi juiz de Direito em São Paulo de 1987 a 2017. É especialista em Direito Notarial e Registral pela EPM, registrador de Imóveis no estado do Paraná, membro da Academia Paranaense de Direito Notarial e Registral e professor de Direito Civil e Processual Civil.

José Renato Nalini é doutor e mestre em Direito Constitucional pela USP e desembargador aposentado do TJ/SP, onde exerceu Corregedoria e Presidência.

Thomas Nosch Gonçalves é mestre em Direito pela USP, pós-graduado em Direito Civil pela USP, tabelião e registrador em São Paulo e especialista em Notas e Registro pela EPM.

 

Fonte: Migalhas